O Brasil tem uma flora das mais ricas do mundo e Santa Catarina é referência no legado de acervos de plantas nativas. As áreas prioritárias para conservação das plantas estão ameaçadas pelo desmatamento, que é fonte de degradação dos recursos naturais. Isso apesar dos esforços para o melhor conhecimento da diversidade das plantas no bioma Mata Atlântica por meio da criação pioneira de catálogos feitos pelo padre botânico Raulino Reitz em meados do século 20 e por Santa Catarina ser o primeiro estado a concluir o Inventário Florístico Florestal (IFFSC) na atualidade.
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– Santa Catarina pode se orgulhar porque sempre foi o estado no Brasil que melhor conhece sua flora e vegetação graças ao trabalho dos botânicos padre Raulino Reitz e Roberto Miguel Klein. Eles executaram o projeto Flora Ilustrada Catarinense e ao varrer o Estado todo em mais de 180 estações de coletas no tempo que nem existia asfalto – destaca o naturalista e ecólogo Lauro Eduardo Bacca.
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O especialista lembra que após recolher material no Estado todo, os dois naturalistas montaram o Herbário Barbosa Rodrigues com plantas devidamente conservadas, secas em estufas e conservadas dentro de latas. Depois de 20 anos coletando materiais pelo estado, a dupla tinha um trabalho para décadas, que não acabou até hoje. Atualmente a coleção está sendo reorganizada.
– Cinquenta anos depois, a Furb coordenou o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina com mais de 490 pontos amostrais permanentes pelo Estado e com recursos de imagens de satélite, envolvendo uma equipe de mais de 100 pessoas que percorreram o Estado – completa Bacca.
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Segundo o professor Alexander C. Vibrans, do curso de Engenharia Florestal da Furb, em Blumenau, e coordenador do IFFSC, entre a elaboração do Flora Ilustrada Catarinense e o IFFSC, das 860 espécies de árvores e arbustos foram encontradas 150 com apenas um ou dois indivíduos em todo o Estado. De 250 espécies, foram encontradas menos de dez indivíduos por espécie.
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No total, 435 espécies de árvores mostraram algum grau de raridade em ao menos uma das três tipologias florestais catarinenses, conforme as medições feitas entre 2007 e 2010, quando ocorreu o primeiro ciclo de medições, e entre 2014 e 2019, durante o segundo ciclo.
– Registramos, em muitas parcelas das florestas amostradas, a saída (morte) de espécies pioneiras (por exemplo capororoca, jacatirão) e o ingresso de espécies mais exigentes de sombra (canelas, palmiteiro). Isto é um bom sinal, porque mostra que as florestas estão se desenvolvendo. Constatamos também que a massa vegetal (biomassa, e com isso, o estoque de carbono) das florestas cresce, em média, 1,3% por ano. Isto também é indicativo que as florestas estão aumentando o estoque de carbono e cumprem, assim, um papel importante na fixação de gás carbônico atmosférico e numa certa redução de gases que provocam as mudanças climáticas – explica Vibrans.
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– É alarmante a drástica redução da biodiversidade das espécies arbóreas constatada através da comparação com dados de 50 anos atrás dos botânicos Padre Raulino Reitz e Roberto M. Klein. Um quinto das espécies não foi mais observado em 2010 – diz Bacca.
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De acordo com o professor da Furb André Luís de Gasper, membro do IFFSC desde a origem, há possibilidade de haver espécies extintas.
– Tem três samambaias que as últimas e únicas coletas são de 1800 e começo de 1900. Podem até ter sido extintas, mas pode ser que sejam muito raras, por exemplo, e não conseguimos fazer novamente a coleta – explica Gasper.
A importância dos inventários
Inventários sistemáticos são necessários para que se possa compor um banco de dados consistente e possibilitar a implantação de políticas de conservação e de manejo. Além disso, a maioria das florestas catarinenses é secundária, são plantas jovens de 40 a 70 anos que se regeneraram após cortes e exploração.
– A diversidade é apenas um terço daquela que era das florestas originais. O mesmo vale para seu estoque de carbono – diz Vibrans.
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Para o naturalista Bacca, preservar e interligar os corredores florestais são importantes ações para conter o avanço do empobrecimento da vegetação.
– Se não fosse o trabalho hercúleo do padre e outros pesquisadores, não teríamos como dizer que nossa floresta foi deteriorada. Se passar de avião e ver tudo verde lá embaixo não é mais a imagem verdadeira do que foi a mata original. A hora que se faz a radiografia daquilo, a gente vê que a qualidade dos remanescentes é muito inferior a décadas passadas, tem a metade da biomassa original, a diversidade e a qualidade das florestas são muito menores – afirma Bacca.

Apesar disso, das áreas remanescentes da mata original, cerca de apenas 5% do que havia originalmente podem ser responsáveis por grandes “bancos de propágulos”, com qualidade de diversidade genética e número de espécies.
– Graças a esses pontos de florestas de melhor qualidade, a natureza tem onde e como recompor as áreas degradadas. Esse processo pode ter ajuda do homem, enriquecendo em regiões específicas para acelerar o processo, mas sem promover uma “bagunça genética” – pontua o especialista.
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Educação ambiental e reservas particulares
Em meio às restrições por conta da pandemia, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina não interrompeu as ações de fiscalização. Durante o ano de 2020, o órgão colaborou com 14 municípios na elaboração do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica. Durante o período, foram feitas quase 15 mil ações, como vistorias, e 845 fiscalizações ambientais. Entre elas, destacam-se operações contra extração ilegal de madeira na Reserva Biológica Estadual do Sassafrás, no Vale do Itajaí. Em 2021, o monitoramento foi reforçado com imagens de satélite que tem identificar desmatamentos.

O Estado também tem iniciativas privadas por ato voluntário do proprietário e em caráter perpétuo para conservação da biodiversidade, do solo, da água e demais atributos. Segundo informações passadas pelo ICMBio, em Santa Catarina são 71 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) federais e 18 estaduais, que ocupam área de 35 mil hectares.
– Quando o proprietário cria a sua RPPN, ele está ciente de que esta ação é de perpetuidade e exigirá uma demanda de responsabilidades. Dos benefícios gerados pela criação da RPPN, o mais importante é o legado da conservação da natureza para as futuras gerações – explica o presidente da RPPN Catarinense Ciro Couto.
Santa Catarina apresenta aproximadamente 200 espécies de plantas endêmicas, ou seja, espécies de plantas que ocorrem unicamente no seu território, muitas delas em locais muito restritos e que chamam a atenção por serem naturalmente raras.
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– Muitas dessas espécies são tão raras que são completamente desconhecidas pela população. Quando se fala em algumas espécies ameaçadas características daqui, como a araucária, o xaxim ou o palmiteiro, dificilmente alguém não conhece essas plantas. Mas quando se fala em Commelina catharinensis, Siphocampylus baccae, Prosopanche demogorgoni ou Ludwigia humboldtiana, poucas pessoas conhecem – afirma o biólogo mestre em botânica pela UFSC e consultor em curadoria do Herbário Barbosa Rodrigues, Luís Funez.
Funez explica que algumas dessas plantas constam em listas de espécies ameaçadas. Outras são consideradas extintas, de tanto tempo que não são vistas. O especialista destaca que com o avanço da degradação dos nossos habitats naturais, muitas vezes, por completo desconhecimento, as espécies endêmicas são negligenciadas e não constam em laudos.
– São geralmente plantas herbáceas, que representam mais de 90% das espécies endêmicas de Santa Catarina. São pequenas ervas, que passam facilmente despercebidas – aponta Funez.