A palavra luto, luctus no latim, quer dizer dor, pesar, aflição. De forma ampla, o sentimento sempre tem a ver com a tristeza decorrente da perda de alguém ou de algo que nos é caro. Ele é lembrado especialmente neste domingo, dia 21, o Dia Nacional do Luto. A pandemia alterou a forma como as exéquias são celebradas, e por razões de saúde, devido à Covid-19, velórios tiveram horários reduzidos e os enterros acompanhados de número bem reduzido de pessoas. O impacto nas famílias tornou esse tempo ainda mais angustiante.
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– A ritualização é muito importante, já que os rituais são coletivos e assim ajudam as famílias enlutadas através da presença física, de uma palavra amiga, de um abraço – reconhece Maria Júlia Kovács, professora aposentada do Instituto de Psicologia da USP e que estuda a questão da morte.
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A professora lembra que com a pandemia, as cerimônias funerais sofreram alterações radicais. O protocolo mudou independentemente do tipo de morte e velórios foram suspensos. No caso de óbito por Covid-19, a situação é ainda mais grave: os caixões são lacrados, há a exigência do distanciamento entre os presentes e muitas vezes o sepultamento acontece em covas coletivas. Há, inclusive, lugares onde os sepultamentos ocorrem à noite. Sem contar que a família não consegue nem escolher a roupa para vestir o falecido, o qual segue com vestes hospitalares e enrolado em sacos plástico.
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Em entrevista para a TV Estadão, a professora observou que não sendo possível um funeral como se praticava até a pandemia, algumas pessoas vão se adaptando e fazem cerimônias virtuais. Mas reconhece que isso é um aprendizado e que muitas famílias não possuem sequer meios para acessar a internet. Outra sugestão de Maria Júlia é que na impossibilidade da despedida, as pessoas se encontrem virtualmente depois para conversar, trocar afetos sobre o falecido, compartilhar coisas sobre a memória da pessoa que partiu.
Outra recomendação da especialista:
– Se a pessoa estiver se sentindo muito angustiada, deve buscar apoio psicológico. Existem várias plataformas que oferecem este serviço de forma gratuita.
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Por outro lado, diz a professora, apesar da morte na pandemia ser um fenômeno mundial e que pegou a todos de surpresa, é importante pensar que cada um reage de uma forma a partir das suas próprias possibilidades. Para ela, todas as formas de relembrar e celebrar quem partiu ajudam a enfrentar a saudade e a preservar o melhor dela em nossos corações.
As orientações do Ministério da Saúde
O Ministério da Saúde definiu, em março, um protocolo para o “manejo de corpos no contexto do novo coronavírus”. O documento define que os velórios e funerais de pacientes confirmados ou suspeitos de infecção pelo novo vírus “não são recomendados devido à aglomeração de pessoas em ambientes fechados”. Nesse caso, o risco de transmissão também está associado ao contato entre familiares e amigos. No caso dos sepultamentos, devem ocorrer com no máximo dez pessoas, respeitando uma distância de dois metros. Os caixões precisam ser lacrados.
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“Deus tem tudo a ver com saúde, economia, política, questões sociais”, diz teólogo Vitor Feller
Teólogo, vigário geral da Arquidiocese de Florianópolis, professor de teologia da Faculdade Católica de Santa Catarina (FACASC) e diretor do Instituto Teológico de Santa Catarina (ITESC), Feller fala sobre as mudanças nos cultos de despedidas, impostas pela pandemia.
Confira na entrevista a seguir:
Qual o significado das exéquias para os cristãos?
As exéquias são despedidas para os falecidos. Normalmente são no próprio cemitério ou nas igrejas, mas por uma questão de saúde pública atualmente quase sempre realizadas nas capelas mortuárias. É um momento de oração para o ente e de consolação aos familiares, momento de recordar que a morte é uma passagem e que a vida não termina aqui. Aproveitamos para lembrar que a vida é um dom e que precisa ser cuidada. Também que um dia todos nós terminaremos a vida neste mundo.
Sem velório, sem missa, sem cortejo fúnebre. Assim a pandemia transformou as despedidas aos entes queridos. O que dizer para as famílias que além da perda, sentem-se mais angustiados pela ausência, como dizem, de uma homenagem à altura?
É realmente uma tristeza muito grande para as famílias e também para nós padres e líderes da igreja por não podermos acompanhar as famílias. É doloroso. A saída é assumirmos a vida real como está neste momento. Vamos precisar de muita oração e ter confiança. Imagino que mais adiante, quando as coisas voltarem ao “normal”, poderemos fazer uma celebração comunitária para lembrar de todos os que partiram nestas circunstâncias. Aos familiares que passam por esta experiência a gente que recomenda que fiquem juntos e mais unidos.
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A fé ajuda a suportar o sofrimento da perda, tornando a dor mais tolerável. Porém, assim como nos casos de violência ou desigualdade, a morte causada por uma pandemia também gera indignação devido à falta de hospital, vagas em UTIs e respiradores. Como acalmar o coração dessas famílias?
Não tem como acalmar. Estas questões que geram a indignação são, na Teologia, chamadas de “ira santa”; tal qual Jesus Cristo também experimentou no Templo dos Sacerdotes, em Jerusalém. É preciso que se mantenha esta indignação e que se leve a sério as políticas públicas de saúde, de saneamento, de moradia. Podemos acalmar os corações em termos de fé, mas é preciso manter a indignação ética e de responsabilidade. Não podemos ser resignados e ou revoltados, mas responsáveis. É preciso manter a percepção de que é necessária uma saúde diferente, pois em situações assim são os mais pobres e marginalizados os que mais sofrem.
Como a teologia pode ajudar neste momento difícil em que além do luto há sérias dificuldades na saúde, política e economia?
Teologia é uma ciência humana que procura racionalizar a fé, a espiritualidade, a relação com Deus. E Deus tem tudo a ver com saúde, economia, política, questões sociais. A teologia nos ajuda a entender quais os nossos compromissos de pessoas de fé e como podemos ajudar as pessoas a se manterem na própria fé. Não concordamos com quem busca a religião de resultado, ou seja, diante de uma crise conjugal, da falta de dinheiro, de uma doença grave. Religião é para manter uma aliança com Deus e assim se inspirar para encontrar os caminhos.
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O luto e as práticas de acordo com as crenças

Católicos
Para os católicos, a vida tem outro plano espiritual e neste se caminha para a eternidade. A partidaa de um ente querido sempre é difícil, mas a doutrina católica ensina que o espírito estará mais perto de Deus. O funeral de despedida inclui velório, com flores e velas. Também é feita a Recomendação da Alma, um rito de saudação da comunidade ao defunto feito por um padre como prova de crença na ressureição. Também celebram missa, como a de sétimo dia.
Evangélicos
Para os evangélicos, a morte faz parte do curso natural da vida e acontece apenas uma vez. De acordo com a crença, ao morrer o corpo vira pó enquanto a alma e o espírito retornam a Deus. O falecimento de um ente querido é doloroso, mas os evangélicos entendem não ser o fim e acreditam na morte como um descanso de um mundo marcado pelo sofrimento na esperança de um céu só com paz e alegria.
Espíritas
Alan Kardec prega a reencarnação, a volta do espírito, em outro corpo físico, em um novo contexto, em uma nova família e até mesmo em outro país. Os espíritas acreditam que “toda morte é um parto, um renascimento”. Para os espíritas, o luto não é apenas pela perda em si, que naturalmente causa sofrimento e dor, mas se deve à preocupação com o estado moral do recém desencarnado que precisa se reequilibrar o mais rápido possível no novo estágio de vida. Pedem misericórdia para o sucesso no processo chamado de “pós-parto”.
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Candomblecistas
A morte é uma mudança de status e depois dela nos tornamos ancestrais para proteger nossos familiares e para isso nos preparamos, propõe o candomblé. Para a religião, não existe inferno e nem concepção de pecado. No candomblé, o momento do luto é vivido em um ritual de sete dias e a morte é tratada como um desaparecimento deste plano. Depois da morte, há um ritual fúnebre que representa a saída da terra para viver nos céus.
Umbandistas
Na umbanda não se acredita em céu ou inferno, mas em regiões umbralinas onde o espírito é recolhido para purgar pelos erros. A umbanda acredita na reencarnação. A umbanda tem na cerimônia fúnebre a preocupação de garantir que o espírito desencarnado fique a cargo da Lei Divina e não tenha problemas maiores com ataques de espíritos negativos. Após a morte, o ser humano leva consigo suas alegrias, sua fé, suas crenças, suas mágoas e suas dores.
Muçulmanos
A morte é vista com naturalidade para o islamismo, uma passagem deste mundo para outro para ir ao encontro de Deus. Com a morte, a alma é devolvida para o criador. Para os muçulmanos, o luto é vivido em um ritual durante o processo fúnebre, que começa com a preparação do corpo para depois iniciar uma série de orações, como a do morto, pedindo a Deus que perdoe os pecados e receba em paz a alma da pessoa que partiu.
Judeus
Para os judeus, a morte não é algo com o que as pessoas devessem se preocupar. Segundo a crença judaica, o ser humano é parceiro de Deus na criação e precisa ajudá-lo a tornar o mundo um lugar melhor, portanto deve lhe importar mais a vida que a morte. Quem visitou um cemitério judaico observou os sepulcros cobertos com pequenas pedrinhas. São homenagens ao falecido e simbolizam que o monumento ao falecido é um processo contínuo, sempre por completar.
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Budistas
Para os budistas, a morte não é um evento isolado e sim o momento de um ciclo infindável de mudanças. A passagem de um ciclo a outro é conhecida pelo termo tibetano “bardo”: um intervalo temporal e intermediário marcado por um início e um fim definido, basicamente entre o falecimento e o próximo renascimento.
Durante 49 dias são feitas várias rezas e cerimônias – pois é o período em que o falecido se encontra no bardo.