Em tempos que as roupas estão cada vez mais industrializadas, algumas pessoas ainda têm a oportunidade de contar com a experiência de um bom alfaiate. No Centro de Blumenau, entre o sobe e desce de escadarias das salas comerciais na Rua Marechal Floriano Peixoto, João Coelho exerce o ofício hoje raro da alfaiataria, junto com a esposa.
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Assim como um médico ou um barbeiro de confiança, num passado não muito distante, era comum que as pessoas tivessem na quase extinta agenda telefônica o número de um alfaiate a quem pudessem recorrer quando algum evento importante aparecia ou simplesmente quando aquela calça já não servia mais ou precisava de algum reparo. Atualmente é quase um desafio encontrar um profissional do ramo cujos cabelos brancos já não tenham chegado.
Aos 64 anos, João Coelho, está nesse grupo e reflete a experiência de imediato na hora de manusear ou medir uma peça com a inseparável fita métrica pendurada no pescoço. Como ele mesmo conta, são mais de quatro décadas dedicadas ao ofício que lhe proporcionou todo o que ele tem.
– Ser alfaiate significa pra mim tudo o que tenho. Tudo o que conquistei foi através dessa profissão, que infelizmente está acabando. Hoje em dia ninguém mais quer aprender – afirma Coelho.
João lamenta a falta de novos alfaiates, já que ele desde cedo aprendeu a atividade quando ainda era apenas um jovem que queria sair do trabalho braçal da roça, em Leoberto Leal, cidade do Alto Vale. Ele conta que foi o cunhado quem o ensinou os primeiros passos com a tesoura e a fita métrica.
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– Aprendi com meu cunhado, que na época trabalhava numa alfaiataria. Fui com ele até Vidal Ramos e trabalhei quase um ano de graça para aprender. Hoje em dia ninguém mais quer isso, precisa ter paciência. Aí, vim para Blumenau e desde 1975, trabalho aqui – conta.
Apesar de ter uma lista enorme de clientes, que vêm de outros estados e até de outros países, Coelho afirma atender um cliente há quase dez anos, mas se quer viu ou apertou a mão do sujeito.
– Não conheço ele. Nunca vi e nunca veio aqui. A esposa dele traz as calças. Ele não engorda, nem emagrece. Tiro a medida pelas peças que ela trouxe uma vez. Fiz a peça, ele gostou e desde então faço roupas para ele. Outro cliente, do Mato Grosso, veio fazer um transplante de rim aqui em Blumenau e na ocasião trouxe umas peças para ajustar aqui. Ele precisa vir para cá a cada seis meses e desde então ele vem, deixa as roupas e pega quando volta para a próxima consulta – afirma, orgulhoso do trabalho que é reconhecido.
Anos finais do ateliê
Nessas idas e vindas de clientes, lá se vão 14 anos que o alfaiate atende no ateliê localizado no Centro da cidade. Mas os atendimentos no local estão com os dias contados. Ele planeja trabalhar na sala apenas por mais dois anos.
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– Quando a gente fala que vai parar de atender aqui, o pessoal já fica apavorado. Dizem: "me passa o telefone e o endereço que nós vamos até lá, vocês não podem abandonar a gente" – lembra.
No provador, um item chama a atenção. Um banco ostenta um presente de um cliente fiel: uma charge de Cao Hering, colunista e chargita do Santa.
– Eu viva reclamando que os clientes não tinha um lugar para sentar. Um dia ele (Cao), apareceu com o banco aqui, junto com a charge – recorda o alfaiate.
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