Refletir é o verbo mais propício para o 8 de março. Entregue as flores, o beijo e o abraço acompanhados de empatia. Utilizar a deixa do polêmico Dia da Mulher para olhar ao redor e comparar o momento atual com o passado e com o ideal de equidade que ainda precisamos perseguir como sociedade talvez seja a ação mais calibrada para o ano de 2022. E alguns perguntam: como assim polêmico? Explico.

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A Constituição de 1988 foi o passo mais recente na consagração do princípio da igualdade entre os sexos no Brasil. Mas a aplicabilidade precisa do aparato da Justiça para ser fiscalizada. É nas rodas de conversa, nas relações familiares, nos espaços de feedback, nos casamentos que o preconceito e o machismo ainda mostram as garras e deixam marcas de ferro quente sem cura. Um olhar ali, uma indireta lá, uma interrupção da fala, depois vem a piada de mau gosto, a música machista, a agressão verbal, o tapa, a demissão. Não necessariamente nesta ordem, mas ainda é a realidade da mulher.

Ela era (e ainda é) vista como a rainha do lar, chamada de sexo frágil, vestida de cor de rosa e que recebia aulas de bons modos. Foi educada para limpar, cozinhar, servir, usar espartilhos cruéis para garantir a cintura, se abnegar. Hoje, a injustiça só mudou de lugar. Se trabalha muito a relapsa com a casa, os filhos, o marido. Se escolhe cuidar dos filhos, do marido e da casa, é coitada porque esqueceu de si. Se mima o marido é submissa. Se se impõe é metida. É tanto julgamento que as forças quase se dissipam. Falta coragem também. Algumas desistem pelo caminho.

E em tempos de pandemia, os índices se agravaram. Os dados expuseram a realidade ainda primitiva no século 21: em apenas um mês, mais de 5,1 mil boletins de ocorrência relacionados à violência contra a mulher foram registrados em Santa Catarina. É como se 170 mulheres fossem agredidas por dia no Estado. Fora aquela que ainda apanha calada, por vergonha ou medo de denunciar. Haja Maria da Penha para defender.

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Temos o que comemorar? Em partes. Há poucos dias completamos 90 anos do direito feminino de votar. Mas olhando para as composições de câmaras, prefeituras, governos e Congresso Nacional, somos minoria. Aliás, quantidade pequena ainda estabelecida em cota, fechada na finaleira do prazo e por obrigação da legislação eleitoral. Mas como somos maioria da população e isso não se reflete na quantidade de cargos eletivos? Não nos votamos e não nos representamos nas nossas próprias pautas. Somos machistas na escolha do voto e nas nossas defesas. A advogada Tammy Fortunato, que atua há 19 anos na área do Direito de Família e no combate a violências contra a mulher, abre o questionamento ao sistema de cotas:

– Por que nós precisamos de 30% de cotas? Não deveria ser meio a meio? Se nós prezamos tanto pela igualdade já começa por aí. É uma violência política, que restringe o acesso e exercício das funções públicas pela mulher.

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E junto da política está a equidade da mulher ao homem no mercado de trabalho. Em um contexto de avanços de posições e reconhecimento ainda há espaço para a luta (e digo isso sem politizar) por uma igualdade na remuneração. Dados do relatório global sobre a Lacuna de Gênero (2020) mostram o Brasil em 130 posição quanto se trata de igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem funções semelhantes. É uma realidade que começa com a busca incessante para mostrar a competência. Vem o reconhecimento verbal, mas ainda falta muito para chegar acompanhado do mérito salarial. Exaustiva, triste, solitária essa tentativa de ser reconhecida justamente. E piora consideravelmente se ela for negra ou transexual. Ainda temos muitas posições a serem avançadas até conseguirmos olhar as flores do dia da mulher com o glamour que elas merecem.

Por isso, o convite é para que a terça-feira não seja um dia apenas de parabéns, de presentes, de abraços e de sorrisos. Mas de observação. Independentemente de homem ou mulher, reflita: você respeita as mulheres com quem convive? Fala de igual para igual com elas, sem as interromper ou minimizar ideias? Paga o mesmo salário do homem que executa a mesma função? Julga ou rotula quem opta por uma roupa mais justa ou decotada? Exige dela um padrão de beleza estereotipado? Acredita que o papel de mãe é padecer na sobrecarga enquanto o pai segue aparecendo aos finais de semana? Que estereótipo de mulher ainda permeia as suas relações? É profunda, incômoda, difícil de digerir esta realidade.

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Que o futuro seja marcado pela liberdade. Que a mulher possa casar ou separar quando se sentir pronta para isso. Ser feliz com o cabelo natural, com o peso que tiver e com o gênero que escolher. Usar a roupa que quiser, sem malícia ou piadas. Ter filhos quando sentir-se pronta e não quando a insistência alheia vencer. Abrir espaços com conhecimento e se sentir empoderada e encorajada para criar as filhas mostrando que um corpo ou um parceiro não a define. Ela é seu próprio lar.

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