Com encanto. Assim chegou às ruas a edição de 26 de dezembro de 2002 do Diário Catarinense. Na página 20 e contra capa, fotografias de bebês vestidos de Papai Noel. Lado a lado, sobre uma maca improvisada na Maternidade Carmela Dutra, em Florianópolis, meninos e meninas nascidos entre os dias 24 e 25 daquele ano. Em vermelho e branco, usavam toquinhas como símbolo do principal personagem da festa. Atrás deles, enxovais como presentes na época em que o programa Capital Criança conquistava reconhecimento nacional. Dez anos depois, o jornal decide resgatar essa história que comoveu os leitores.

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Tal qual renas e trenó precisam andar, para a reportagem avançar era preciso localizar os protagonistas. O primeiro passo, acessar a lista da maternidade com o nome das mães que tiveram filhos naqueles dias. De imediato com uma matemática a entender: a relação era de 10 mulheres, mas sete crianças apareciam na fotografia. Com o agravante de que uma delas deu à luz a gêmeos.

Por isso também, fundamental localizar as famílias. Alguns endereços tinham o nome da rua, mas sem número. Outros tinham identificação e rua, mas a numeração não existia. Havia, sim, endereços completos. Problema é que as pessoas tinham se mudado. Encontradas também mães que tiveram seus filhos naquela data, porém, horas depois da nossa equipe ter passado pelo hospital.

Assista ao vídeo das crianças desejando um Feliz Natal

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Savio, que ninguém sinta fome ou frio

Savio Bernardes da Silva nasceu às 3h15min do dia 24. Foi retirado da barriga da mãe, a pedagoga Vanir Bernardes da Silva, com 51 centímetros e 2,9 quilos. Caçula entre quatro irmãos, chegou de cesariana na hora em que Papai Noel se preparava para dar a volta ao mundo com seu trenó carregado de presentes.

É o tamanho, miúdo, aos olhos de Vanir, que ajuda na identificação das fotografias publicadas no DC da edição de 26 de dezembro de 2002.

O nome Savio foi uma homenagem ao também mirrado Sávio, ex-jogador do Flamengo, atual empresário do Guarani de Palhoça. Na foto, ele é o terceiro da fila da esquerda para a direita.

Mas o bebê frágil, com as perninhas encolhidas, se fez um menino destemido:

– Não tenho medo de andar de bicicleta sem freio, de cobra ou de andar de barco – avisa ele.

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Corajoso que é, também sabe assumir seus pavores.

– Só tenho medo de dormir no escuro. Cobra eu enfrento, mas fujo de lagarto desde o dia que um mordeu meu pé.

Savio tem planos para 2013: vai fazer catequese. Além de frequentar o 5ª ano da escola, onde deve continuar gostando de Artes e Educação Física. Quem sabe, um pouco mais de Português. Aliás, ele explica:

– Gosto de ler e interpretar, o problema é na hora de escrever.

Savio acha bom fazer aniversário no Natal. A festa começa a tardinha, quando recebe os amigos. Para ele, as crianças que nascerem neste 24 e 25 de dezembro também devem ganhar presentes:

– Comida e roupas. Assim ninguém passa fome ou frio na vida.

Lucas, família para proteger a todos

O relógio marcava 4h50minutos do dia 25 de dezembro de 2002 quando o choro de Lucas ecoou. O primeiro filho do casal Valcilene e Odilon José da Costa chegava de parto normal e pesando 3,6 quilos. Horas depois, a mãe sonolenta e o pai orgulhoso acompanhavam o primeiro registro da vida do menino:

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– Somos esses aqui da ponta – aponta a manicure, com a página 20 do Diário Catarinense nas mãos.

Na foto, eles aparecem ao fundo, espiando o filho, o penúltimo na ponta direita da maca onde foram deitados sete recém nascidos.

– Nem sei se ele é o último ou o penúltimo, só sei que esse é o bebezão do pai – brinca o operador de máquinas Odilon, abraçando Lucas.

O primogênito da família cresceu calmo, nada chorão e bem comportado. Mora em um condomínio no Bairro Bom Viver, em São José, e tem seus amigos. Mas gosta de ficar em casa vendo filmes em DVDs. Neste Natal pediu uma bicicleta para Papai Noel. Mas vai entender se não for atendido. Sabe das dificuldades financeiras para presentear todas as crianças do mundo.

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– Eu conversei com o Papai Noel em um shopping – conta.

Diferente de outros natalinos, Lucas gosta da data mesma que receba um só presente:

– Ninguém esquece do nosso aniversário.

Lucas sabe o que desejar para as crianças que nascerem nesta data:

Que tenham uma boa família, para que todos sejam protegidos com carinho e amor.

Duda, cheia de felicidade

Maria Eduarda da Cunha Prazeres nasceu por volta das 10h do dia 25. A menina que gosta de Justin Bieber e de nadar nas águas esmeraldinas de Governador Celso Ramos é filha de Francisco Prazeres Filho, o Chico, caminhoneiro, e de Jucimara, que trabalha em uma instituição bancária. No dia do nascimento, destacava-se pelo tamanho em meio aos outros. Na semana em que, dez anos depois reencontrou-se com as crianças nascidas no Natal 2002, comentou:

– Sou a maior da turma.

Por cinco anos, Duda reinou absoluta cercada de mimos dos avós e dos tios, que moram no mesmo terreno, no Bairro Roçado, em São José. Até que chegou Yasmin, quatro anos, com quem estabelece a mais pura relação de irmãs: hora brinca, hora briga. Mas nada duradouro, que resista a um beijo e um abraço da – ou na – caçula.

Duda aprendeu a nadar com uma tia, de quem pegou apreço pelo Internacional, de Porto Alegre, e também torce pelo Figueirense, na Capital. Conta que gosta de desenhar e pretende ser estilista de moda. Acha que é uma desvantagem numérica nascer no Natal por causa dos presentes. Mas espera coisas boas para quem é natalino:

– Desejo que as crianças sejam felizes.

Mesmo não sabendo explicar o que o é felicidade.

– Eu sei é que sou feliz.

Isa, crença no Papai Noel

Veio de Isabela de Oliveira Constantino, nascida às 11h45min do dia 24, uma das frases encantadoras dessa reportagem:

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– Eu vou gostar de encontrar os meus amigos da maternidade.

Nesta semana, ao ser apresentada a cada um, a moreninha de cabelos longos e crespos estava tímida. Aos poucos foi se adaptando, e no final corria de um lado para o outro na maior intimidade. Mas foi com Duda, a segunda menina entre o grupo, com quem parece ter se dado melhor.

As duas representavam opostos físicos trazidos de berço: Isabela, chamada de Isa ou Belinha, a menor do grupo; Duda a mais crescida. Aprovada para o 5º ano, Isa estuda na Escola de Educação Básica Padre Vicente Ferreira Cordeiro, na Praia da Pinheira, em Palhoça, onde mora com a família. Aluna dedicada, gosta de Português; e se esforça para resolver os problemas da Matemática.

Acredita que Papai Noel traz presentes, embora nunca tenho escrita uma cartinha:

– Eu penso naquilo que quero e acontece. Tem que acreditar – sugere.

No ano passado, conta, botou na cabeça que queria uma bicicleta. Uma hora, quando viu, estava o Papai Noel na frente da casa com o presente na mão.

Isa não deixou por menos quando transmitiu seus votos de Boas Festas. Para ela, que todos tenham saúde, alegria e boa sorte na vida.

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– O que é boa sorte? Que não aconteça nada de mal.

Mas o que seria mal?

– Violência, seja no trânsito, na casa das pessoas, nas brigas…

Roberto, entre rabiscos e gentilezas

Jogar é o que todo o menino faz com um videogame nas mãos, certo? Errado.

Tem um que prefere congelar a imagem para poder desenhá-la depois. O seu nome é Roberto Soares Peres, que mora no Bairro Capoeiras, em Florianópolis, e que tem na disciplina de Artes uma das preferidas. Betinho vai encarar o 4º ano na escola Maria Luiza de Melo e pretende ser o mesmo garoto estudioso e disciplinado que o fizeram merecedor da piscina de plástico encomendada a Papai Noel.

O brinquedo será a grande diversão das férias. Afinal, Betinho prefere brincar em casa do que soltar pipa. Acha perigoso correr no terreno íngreme e não se sente seguro com os fios de alta tensão próximos da casa. Acha que ficar na rua também não é um bom lugar para meninos de sua idade.

Gentil, responde aos elogios da mãe que destaca a beleza do rosto bem definido:

– Minha mãe faz a melhor comida do mundo, um omelete que não tem igual.

Para a irmã, de 17 anos, que o ensina a andar de bicicleta da mãe, uma vigilante, também palavras carinhosas:

– Minha irmã me ajuda em coisas importantes, como as tarefas da escola.

Sobre o pai, que costuma ver mais aos finais de semana, outra declaração:

– Eu nasci no dia de Natal, e dizem que sou um presente de Papai Noel. Mas também fui um presente para meu pai, pois fazemos aniversário no mesmo dia – conta.

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Vitinho e Joãosinho, alegria em dose dupla

Por uma década a página de jornal permanece emoldurada na parede da loja, um pequeno comércio de roupas na Rua República dos Guaranis, em Palhoça, na Grande Florianópolis. Assim a comerciante Lilian Maria Querino mostra orgulhosa o presente de Natal recebido há 10 anos, quando deu à luz aos gêmeos João Victor e Victor Henrique. Nascido a partir das 3h30min do dia 25 de dezembro, foram os primeiros bebês catarinenses do Natal 2002.

Os meninos, que na fotografia aparecem virados um para o outro, vieram ao mundo de nove meses e parto normal. João Victor foi o primeiro a nascer. Victor Henrique veio em seguida, também saudável. Foi uma surpresa, pois o ultrassom dizia que um poderia nascer pelo dia 25 e outro dia 30. O “trabalho” que foi – gêmeos normalmente nascem de cesariana – era um prenúncio: os irmãos chegariam para encher a família de alegrias. E, como diz a mãe, para “não dar sossego”. Os dois são muito companheiros, mas com personalidades diferentes. Não faz muito tomaram uma decisão:

– Mãe, está na hora da gente usar roupas diferentes _ avisaram.

Vitinho faz escolinha de futebol, joga de atacante e nenhuma ideia de profissão. Gosta de Português, mas não tem curiosidade por Ciências. Joãosinho segue o irmão no desagrado com a Ciência, mas gosta de Matemática. Também atua de atacante, mas não tem medo de ser goleiro. Diz que tem amizade pelo irmão e quando menor não gostava de ficar longe. Uma vez o time de um perdia e o outro cismou de entrar no lugar do outro para salvar da derrota. O plano não deu certo e eles descobriram que “nem sempre se ganha”.

A mãe confessa que as vezes se confunde, e com motivo: até as cicatrizes da catapora são as mesmas. Por essas semelhanças, e por que às vezes um folga em cima do outro, tomou uma providência:

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– Desde o terceiro ano (passaram para o quinto) eles estudam em salas diferentes, mesmo que na mesma escola. Chega de João Victor escrever as coisas e Victor Henrique copiar em casa.

Surpresos pela revelação da mãe em público, os gêmeos caem na gargalhada:

– É bom mesmo: a gente não aguentava mais olhar para a cara feia um do outro.