São Miguel, São Miguel. Aonde quer que eu vá, Eu sou o seu amor – recita, em prece, a aposentada Otília Vargas, 69, todos os dias, pela manhã.
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Em suas orações, pede que retorne para a igreja de São Miguel Arcanjo, em Biguaçu, na Grande Florianópolis, a imagem do anjo padroeiro do Balneário São Miguel, furtada há 32 anos e recuperada em dezembro do ano passado, após ser localizada em um antiquário carioca por uma funcionária do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Rio de Janeiro.
Tempo passou e não há projeto
Na época, a prefeitura estimava que seriam necessários pelo menos 60 dias para que a imagem voltasse à comunidade. A Polícia Federal e o Iphan impuseram a condição de que a igreja fosse adaptada para oferecer a estrutura de segurança necessária para a obra, de incalculável valor histórico. Os dois meses já se passaram, mais o instituto não começou a desenvolver sequer o projeto.
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Enquanto isso, a obra permanece sob a guarda da PF, em Florianópolis, como peça chave no inquérito que apura o roubo de artes sacras. Curiosamente, São Miguel é o anjo protetor dos policiais.

Foto: Flávio Neves/Dez 2011
Quando recebeu a notícia de que a imagem havia sido localizada, Otília se reuniu com aproximadamente 30 fiéis para deixar a igreja pronta para São Miguel. Durante a manhã, realizaram uma faxina e prepararam fogos de artifício. À tarde, a decepção: foram informadas de que a imagem do anjo não viria.
– Foi uma tristeza – lamenta a devota.
Capela tem goteira e portas frágeis
O voluntário Valdir Paulo “Dica” Garcia, responsável por guardar a chave da igreja, era um jovem de 20 anos quando o roubo da imagem ocorreu e sentiu o impacto da notícia na comunidade.
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– Eu era só um guri, mas lembro que a imagem trazia muita fé – recorda ele, que atua como zelador da igreja e do cemitério do bairro.
Para Dica, os principais problemas da igreja hoje são o telhado quebrado, com goteiras e infiltrações, e as portas frágeis, que acredita terem permitido a entrada dos ladrões, no passado.
Fiéis sonham com retorno
Apesar da longa espera, Otília não perde a esperança de, um dia, poder se ajoelhar diante da imagem do anjo para orar, como no passado. Hoje, uma estátua substituta ocupa o altar, na igreja, mas não tem o mesmo porte ou significado para a comunidade.
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– Ai, credo, eu até já perdi o sono esperando que ele venha. Cheguei a sonhar com isso – anseia.
Os 74 anos da dona de casa Aquilina Coan não tornaram menos nítida a lembrança que carrega de São Miguel Arcanjo. Na época do roubo, tinha 33 anos.
– Acho que era março de 1979, numa madrugada de sábado para domingo. Foi muito triste. Ele era lindo, lindo, todo coberto de ouro – recorda ela, que faz questão de ter em casa a sua própria imagem de São Miguel.
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Paróquia não tem recursos
Responsável pela paróquia de São Miguel, o padre José Luiz Souza argumenta que não tem condições financeiras e nem a autorização do Iphan para alterar um edifício tombado.
– Não podemos modificar nem um tijolo dessa igreja – afirma.
Prefeitura sem responsabilidade
O diretor da Secretaria de Cultura da prefeitura de Biguaçu, Gabriel Althair Loeff, diz que a prefeitura está aberta para negociar, mas destaca que a igreja foi tombada pelo Patrimônio Histórico e, portanto, a prefeitura não possui gerência sobre o imóvel, que é responsabilidade do Iphan.
Sem prazo para reforma
De acordo com a superintendência do Iphan, a igreja de São Miguel precisa passar por reformas para oferecer um ambiente mais seguro à obra, que, por seu alto valor, necessita também de um vigilante 24 horas. A situação é ainda mais delicada pelo fato da própria igreja ser um edifício tombado pelo Patrimônio Histórico. Para estabelecer quais são as medidas de segurança necessárias, será preciso que o Iphan realize um projeto, mas, até o momento, nenhum estudo foi iniciado.
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O Iphan garante que o orçamento do Instituto para 2012 prevê a destinação de recursos para a reforma da igreja, mas afirma que só poderá financiar parte das mudanças.
– Nós podemos contribuir com questões estruturais, como telhado e esquadrias. Mas não podemos arcar com tudo sozinhos – informa o superintendente Dalmo Vieira Filho, destacando que o ideal seria uma parceria entre o Iphan, a prefeitura e a própria paróquia.
Padrinho conhecido
A saudade é uma constante para a fundadora da Academia de Letras de Biguaçu, Dalvina de Jesus Siqueira, 82, desde o dia em que seu “Senhor São Miguel” desapareceu.
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Ela recorda que a imagem inspirava forte devoção, celebrada em uma festa que ocorria todo dia 29 de setembro, o Dia de São Miguel. O anjo era retirado do altar e levado às ruas em procissão. Após o roubo da imagem, a tradição se perdeu.
– Foi lá, com 16 anos, que eu namorei o meu marido. Ele era afilhado do Senhor São Miguel e morreu sem esperança de vê-lo de novo – suspira, e explica que, naquele tempo, era comum que São Miguel apadrinhasse as crianças sem padrinho.
Quem é São Miguel Arcanjo
O anjo
::: É um dos sete arcanjos.
::: Anjo da justiça e do arrependimento.
::: Considerado defensor do céu, por chefiar os exércitos celestiais.
::: Padroeiro dos policiais.
::: Apesar de ser conhecido por “São” Miguel, ele não é um santo, mas sim um anjo importante na hierarquia divina. Por esse motivo, possui responsabilidades maiores e recebe o título de arcanjo.
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A imagem recuperada
::: Origem: Portugal.
::: Autor: desconhecido.
::: Século: 18.
::: Características: 1,4 metros de altura, esculpida em madeira, com detalhes em ouro e prata.
::: Valor: inestimável.
::: De acordo com o Iphan, faz parte da história do distrito de São Miguel há cerca de 200 anos, no altar da Igreja de São Miguel Arcanjo, fundada em 1751 e reconstruída em 1798.