O intenso vaivém de pessoas pelos corredores da Feira da Moda de Brusque, no Vale do Itajaí, deixava difícil acreditar que aquela quarta-feira (12) se tratava do feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida. 

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Entre os clientes que se aglomeravam nas vitrines, uma se destacava. Não pela altura ou por trajes chamativos, mas sim pela rapidez em que se movimentava. Em menos de 10 minutos, Marilisa Boehm, 54 anos, visitou quatro lojas e em duas passou pelo provador. 

A busca era por blusas mais leves e vestidos no tamanho midi — abaixo do joelho. Não queria nada verde, cor do seu partido, o PL, e que já domina boa parte de seu guarda roupa. Vetou também o laranja. ”É a cor do Novo (partido), aí não dá”, explicou para assessora. 

O saldo da rápida compra foi de algumas blusas brancas com decote em V e uma roxa com babados nos ombros.

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”Sou prática”, disse enquanto vasculhava um varal cheio de conjuntinhos estampados. É com essa praticidade uma das características que a delegada aposentada espera contribuir para sua vice-governança caso vença a eleição estadual ao lado de Jorginho Mello.

Os dois disputam o segundo turno contra Décio Lima (PT) e Bia Vargas (PSB), numa dobradinha que se repete no cenário nacional pela presidência entre o PL de Bolsonaro e o PT de Lula.

Marilisa se diz fã de Bolsonaro. Junto da mãe e da irmã, formam uma espécie de fã-clube desde a eleição de 2018. Na última visita do presidente ao Estado, na segunda-feira (10), os dois tiveram uma conversa rápida. A candidata ajustou um adesivo colocado na roupa do presidente e sugeriu que ele usasse uma camiseta rosa. “Aí ia conquistar os gays”, conta. 

Ela conta que o apontamento fez Bolsonaro gargalhar.

A candidata a vice é devota de Nossa Senhora Aparecida. Carrega um colar com a imagem da santa no pescoço. Diz que o aceite para compor a chapa com Jorginho foi um chamado de Deus e contou também com uma forcinha de seu marido Ciro Paduan, 63 anos. 

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Conhecida em Joinville pelo trabalho como delegada regional e pela luta em manter a delegacia de proteção à mulher em funcionamento, Marilisa já havia disputado algumas eleições. Concorreu à Câmara de Vereadores 2016, foi vice na chapa de Marco Tebaldi em 2016 e tentou ser deputada estadual em 2018. Nas três não teve sucesso.

Disputou pelo PP em 2018, quando a onda bolsonarista elegeu muitos nomes do então partido do presidente, o PSL. ”Votaram tudo 17 e fiquei de fora”, lamenta. Marilisa, que na época já era apoiadora de Bolsonaro.

Depois da eleição, se afastou da vida política e se dedicou às tarefas de mãe e avó em tempo integral. A filha mais nova teve um bebê em meio a pandemia, o que aguçou o lado protetor de Marilisa. Ficou junto da filha Graziela e dos netos Joaquim e Lorena por um ano e meio de isolamento. Sem sair de casa por medo do vírus, as compras no mercado eram revezadas pelo genro Breno e pelo marido Ciro.

Marilisa deixou as fraldas de lado quando decidiu voltar à política por influência do marido empresário e cientista político. A aproximação com o PL e Jorginho ocorreu em 2022. Os dois não se conheciam pessoalmente antes disso. Ciro, que enxerga na esposa uma potencial para mudanças e avanços sociais, foi quem deu o primeiro passo. 

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Conseguiu o número do assessor direto do senador e mandou mensagem destacando o currículo da esposa. A escolha por Jorginho e não de outro candidato de direita foi para estar perto do bolsonarismo defendido por ambos.

Ciro fala de Marilisa com orgulho e cita os feitos dela durante a carreira com riqueza de detalhes. Ele já mirava a delegada como vice, mas não teve resposta imediata de Jorginho.

O empresário nunca disputou cargo público. Segundo ele, é a esposa quem tem os atributos certos para a vida política.

— Geralmente é o contrário, o marido quer crescer com o apoio da mulher, não é verdade? E eu fiz ao contrário. Eu quero ver a minha mulher lá na ponta — comenta.

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Enquanto outros nomes pipocavam como possíveis vices, Marilisa ficava mais certa que não queria concorrer como deputada. Chegou a avisar a imprensa que não entraria na disputa. Mas acabou convencida pela persuasão de Jorginho Mello. ”Ele me falou dos projetos sociais. Que no governo isso aí terá um impacto muito maior”, fala.

Um jantar em Joinville e um almoço em Florianópolis selaram a união que se apresentou nas urnas. No último, Marilisa recebeu prazo de três dias para dar uma resposta final. Consultou a família e conversou com Deus. ”Tive que dizer sim, porque estamos em guerra”, comentou.

Hoje, ao analisar o cenário nacional, a delegada aposentada enxerga um Brasil dividido, mas vê no diálogo uma solução para muitos dos problemas. E se define como uma conciliadora.

Além da atuação como uma ”assistente social delegada”, como gosta de se definir, Marilisa toca um projeto que capta recursos do imposto de renda e destina esse montante para iniciativas sociais do Estado. Sabe os números de arrecadação de Joinville e Florianópolis de cor e provoca: ”Imagina quantos projetos não podem ganhar com esse dinheiro?”.

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Risada da Hebe

O que quase sempre completa as frases de Marilisa é uma gargalha chamativa. ”Parece muito a da Hebe”, diz um de seus assessores. Ela ri com facilidade, quase sempre para quebrar o clima ou para induzir uma sorisso coletivo.

Indo para um dos compromissos da agenda ainda no feriado de 12 de outubro, ela pede que Adriana, sua assessora direta, entregue o rímel e o pó. Recusa o blush. Diz que a que deixa as bochechas rosadas demais. 

Enquanto o marido Ciro dirige pelas ruas de Brusque em direção ao pavilhão da Fenarreco, aproveita para retocar a maquiagem. Conta que não consegue tempo de ir até o salão e que é ela mesma quem faz as unhas e o cabelo, sempre com Ciro na retaguarda. ”Ele pinta a parte de trás e vou corrigindo os fios da frente”, explica.

O carro da família virou um escritório-camarim durante a campanha. No assento do passageiro, um blazer azul foi acomodado transformando o banco em um cabideiro. Atrás, dezenas de santinhos, folders e adesivos verdes ocupam o lugar dos passageiros. Na parte de fora, mais adesivos e fotos de Bolsonaro, Marilisa e Jorge Seif, eleito pelo PL ao Senado, deixam claro que a bordo estão apoiadores do presidente.

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Mas no estacionamento da Fenarreco, o carro não se destaca. É mais um meio a dezenas com logotipos e adesivos iguais.

”Aqui é Bolsonaro”, diz um homem prestando continência para Marilisa. Ela retribui a saudação com um abraço caloroso, a risada ”da Hebe” e um pedido para que tirem foto daquele momento. Abraça o homem e vem o clique.

A cena se repete inúmeras vezes, o que dificulta até mesmo que a delegada se encontre com os empresários locais que a aguardavam para um almoço.

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A travessia pelo pavilhão da festa do marreco é acelerada. Para em todas as barracas e só interrompe a conversa com os apoiadores para pedir um chope aos assessores. Toma o rótulo de sabor forte feito especialmente para o evento e, sob os olhares dos mestres cervejeiros, aprova a bebida.

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Era perto 13h e o pavilhão lotado impedia que mais pessoas pudessem entrar no espaço reservado às mesas. Marilisa queria comer o marreco típico da festa. A busca por um local para se alimentar era interrompida frequentemente por curiosos que queriam saber quem era a mulher acompanhada por uma comitiva. ”É a próxima vice-governadora”, repetia Ciro animado.

Quando finalmente Marilisa conseguiu um prato com o marreco, tratou primeiro de separar a porção para o marido. Tirou a pele e serviu um pouco da carne do animal acompanhado de purê de batatas. Se preocupava com o que ele iria comer já no carro em direção ao evento. Determinou que gorduras estavam proibidas e incentivou que ele comesse só salada e proteína. Ciro sorriu e fez sinal com a cabeça de que obedeceria a delegada aposentada.

Luta pela delegacia da mulher

Marilisa lembra de uma história da época de delegada. Ela conta que em uma noite de plantão uma mulher chegou a delegacia ensanguentada. O sangue escorria da barriga sujando as roupas da moça e chão do local. O pedido de socorro era de uma vítima de estupro. A jovem tinha passado por uma cesariana dias antes e os pontos ainda não tinham fechado por completo. O agressor, seu marido, exigiu que eles tivessem uma relação sexual mesmo sem consentimento, quebrando até mesmo a recomendação médica.

A vítima procurou a delegacia em desespero e demorou a entender que precisava de socorro antes que pudesse prestar queixa. Marilisa correu com ela ao hospital e garantiu que um Boletim de Ocorrência seria registrado.

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O episódio é narrado quando Marilisa é questionada sobre a importância da delegacia da mulher. Ela conta que foi a primeira a dirigir o espaço em Joinville. Quando foi delegada regional, lutou para que essas delegacias se multiplicassem na maior cidade de Santa Catarina.

A primeira delegacia, conta ela, ficava em um “puxadinho” com estrutura de zinco, que antes era um depósito. Com o passar dos anos e investimentos, foi possível ampliar a estrutura e montar um atendimento psicológico.

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Um novo prédio foi conquistado meses depois em 2005, mas acabou transformado em delegacia do trânsito por determinação do delegado regional à época. ”O trânsito matava mais gente, ele dizia”, lembra Marilisa revoltada.

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Sentindo-se injustiçada, ela adotou uma postura de combate para reaver a delegacia. Em toda entrevista que dava naquele período, fazia questão de dizer que o espaço dedicado às mulheres foi roubado.

Com a troca do delegado regional após um ano, Marilisa foi chamada para uma reunião. O novo chefe disse que daria um espaço dentro do Complexo de Segurança no bairro Boa Vista, em Joinville, para a delegacia. A contrapartida é que ela encerrasse as falas contra o governo. A resposta foi rápida: ”Se o prédio não vier, eu falo mal até me aposentar”.

O espaço foi recriado e quando Marilisa assumiu a gestão, sete delegacias foram inauguradas no município. A da mulher também passou a atender crianças, adolescentes e idosos.

Esse é considerado o grande feito profissional de Marilisa e o que a impulsiona para a vida pública, com bandeiras que vão ao encontro da igualdade e justiça pelas mulheres.

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Doença na vitória

A celebração da ida ao segundo turno com larga vantagem quase foi impedida por uma forte tosse. Uma semana antes da eleição, Marilisa começou a se sentir doente. Era como se a alma tivesse saindo do corpo, disse. 

O cansaço da intensa campanha mostrou sintomas físicos que ela tentou controlar até onde deu. 

E o limite foi longe. 

Tinha febre alta quando foi chamada à Florianópolis para uma entrevista coletiva no dia 3 de outubro, um dia após o primeiro turno. Seria a primeira ao lado de Jorginho Mello após o resultado. No dia anterior, tossiu muito. Mas não titubeou ao ser chamada para o compromisso.

Ela e Jorginho dividiram o púlpito lotado de microfones. Com sorriso no rosto, o candidato foi questionado sobre apoios, o andamento da campanha e sobre as pesquisas eleitorais. Respondeu a todas num tom conciliador destacando que agora faria campanha para melhorar os resultados de Bolsonaro no Estado.

Marilisa, ao seu lado, alternava os sorrisos para as câmeras de TV e lentes fotográficas. Depois de ouvir os questionamentos e respostas de Jorginho, citou o trabalho em Joinville e falou das propostas de Jorginho para a educação. ”Que mãe não quer ver o filho estudando?”, disse. Apesar da doença do início de uma pneumonia, não tossiu em nenhum momento dos 30 minutos dos questionamentos.

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O fim da coletiva foi marcado por mais uma dezenas de fotos. Depois de posarem juntos, de mãos dadas, abraçados, fazendo 22 com as mãos, Jorginho e Marilisa se despediram. Ela correu para o carro e partiu com destino a sua casa. Foi acolhida pelos filhos que se encarregaram das refeições e do incansável pelo marido.

Pediu que a agenda dos dias seguintes fosse adiada. Precisava se recuperar. Após uns dias de descanso em casa, retomou a parceria com Jorginho lado a lado. Agora espera a vitória mandando áudios e gravando vídeos pedindo que cada eleitor conquiste mais dois votos.

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