Susto, tristeza e medo de ficar sem teto. Esses são sentimentos que predominam entre os moradores de uma comunidade inserida dentro do Parque Municipal Vila Bromberg, em Blumenau.
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Em meios às angústias de uma vida cheia de limitações por falta de dinheiro, tinham o acalento de um lar para repousar no fim do dia. Mas terminaram essa semana carregando nas mãos uma ordem para desocupar as casas, limpar o terreno e partir. Segundo a prefeitura, a ação é motivada pela prática de crime ambiental e por tratar-se de uma área de risco.
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O prazo estipulado pelo governo para que as 18 famílias deixem a área é claro: até 5 de dezembro, a 20 dias do Natal, em meio à pandemia da Covid-19. A decisão foi comunicada aos moradores na última terça-feira (5).
O relógio não marcava nem 7h quando a Defesa Civil subiu o morro com a Polícia Militar para fazer as notificações. Muitas se arrumavam para ir trabalhar e levar os filhos à escola quando ocorreu a abordagem. Primeiro veio a revolta, depois o sentimento de impotência e desamparo sem saber o que o futuro reserva.
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A comunidade alvo da ação da prefeitura de Blumenau é relativamente nova, o primeiro morador conta ter chegado ao local há três anos. Todos sabem que estão irregulares. As casas são simples, de madeira, cada um tenta melhorar como pode, seja colocando um piso no chão ou uma cerca do pátio. Para chegar até elas é preciso subir na estrada íngreme já com calçamento feito pela própria comunidade. Luz e água, na maioria das casas, são rabichos.
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Remi dos Santos, 62 anos, mora há 18 anos na Vila Bromberg. Em 2008 sofreu com deslizamentos e a Defesa Civil orientou o homem a sair da casa. Sem ter para onde ir e esperando pela prometida moradia, ficou onde estava. Até que há três anos o problema nos joelhos se agravou, a fila de espera pela cirurgia não andou e ele decidiu erguer a casa em outro local, onde poderia improvisar uma estrada e não ter mais que carregar o botijão de gás nas costas ladeira acima. Aposentado por invalidez, vivendo com um salário mínimo, não consegue conter as lágrimas de angústia e desabafa:
Se você não tem dinheiro, você não tem nada.
O número de moradores na comunidade cresceu rapidamente e a prefeitura decidiu agir rápido antes da situação tomar proporções maiores, conta o secretário de Defesa do Cidadão, Carlos Olimpio Menestrina.
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Com o agravamento da pobreza em Blumenau, sobretudo impulsionada pela pandemia da Covid-19, a invasão foi uma espécie de consequência. Com Adriana Custódio, ao menos, foi assim. A mãe de família de 29 anos foi parar na área irregular há oito meses quando o marido ficou sem renda e os R$ 900 que ganha por mês não davam conta do aluguel e da comida na mesa para o filho de nove anos.
— O meu dinheiro não dava, eu era terceirizada, ganhava cinco reais a hora e pagava R$ 750 de aluguel, mais água, luz, “comer”. Até vim para cá e o mercado ficou com o pagamento lá atrasado. Isso é bem complicado. Eu fiz empréstimo para comprar as madeiras velhas e construir. São três anos pagando R$ 274 e não tem jeito — conta.

A família ergueu a casa na área do parque e hoje recebe também os irmãos e a mãe. São sete pessoas no imóvel. Juntas compraram até material para fazer um piso e deixar o local melhor, mostra orgulhosa. Ela sabia que a fiscalização poderia chegar a qualquer momento, mas não tinha outra alternativa.
Agora separada e sozinha para cuidar do filho, Adriana espera pela reunião com a Assistência Social para saber o que reserva o futuro. Deseja ao menos poder ficar perto da mãe, para cuidá-la, pois tem problemas de saúde, mas também porque precisa ter com quem deixar o menino enquanto vai para fábrica onde trabalha na limpeza.
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A Secretaria de Desenvolvimento Social vai começar a receber as famílias a partir do dia 18 de novembro com atuação em duas frentes. Segundo a secretária Patrícia Morastoni Sasse as equipes vão fazer um levantamento das necessidades dos moradores para que deixem o local e também com o aluguel social para quem se atende os critérios.
Diogo da Silva Machado, 28 anos, olha pela janela como se estivesse procurando na paisagem uma solução para o problema. Vindo de Belém (PA) há dois anos, no último semestre conseguiu dinheiro emprestado no banco para comprar a casa no alto do morro. Financiou R$ 15 mil que lhe consome parte importante do salário todo mês para oferecer uma casa à família de cinco pessoas. Ao que tudo indica, terá de rever a rota e arcar com a conta de ter aceito comprar o imóvel sem documentação.
A prefeitura, aliás, quer identificar quem fez a comercialização de lotes dentro do Parque Vila Bromberg, uma área de preservação do município. Caso seja identificado, vai responder legalmente pelo crime. O mesmo deve ocorrer com quem fez o corte da vegetação antes existente no local, explica o secretário de Defesa do Cidadão. É que nem todos que moram hoje no local foram, de fato, os responsáveis pelas construções. Em uma breve caminhada pela região, os moradores relatam que muitos chegaram ali e as estruturas já existiam, só estavam abandonadas.
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O secretário Menestrina explica que a ação na comunidade foi motivada principalmente por causa do dano ambiental e, de forma secundária, por causa da área de risco. Ele pontua isso para explicar que nem sempre tirar as famílias desses locais é a melhor solução, mas como se trata de crime por supressão da vegetação, precisou intervir possibilitando que a Secretaria do Meio Ambiente atue para restabelecer o parque.
Falta de políticas de habitação
A situação dos moradores evidencia a necessidade de investimentos em políticas de habitação. Desde 2014 não é aberto um programa do governo Federal para moradias populares, pontua a secretária de Desenvolvimento Social. E o recente anúncio do Estado para essa área prioriza cidades com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), deixando de fora Blumenau, a cidade com mais moradores em favelas de Santa Catarina, segundo o último Censo do IBGE, de 2010.
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— Falando das áreas de risco, eu particularmente sou contra tirar essas pessoas das áreas onde habitam, exceto que haja risco iminente, porque em retirando nós temos dois problemas: um problema social, dessas pessoas serem tiradas e colocadas em condominíos onde não é muito o perfil dessas pessoas. E o segundo problema é a capacidade de fiscalização para que essa área não seja reocupada. Se [no parque da Vila Bromberg] fosse só a condição de risco, nós iriamos tratar assim — pontua Menestrina.
De acordo com o secretário, com o cessar da pandemia, uma comissão multidisplinar deve atuar nos bolsões de áreas de risco para fazer uma análise das edificações, notificar os moradores da existência do risco e orientar sobre as medidas, estruturantes ou não, que devem tomar para permamecer nos locais.
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“É preciso uma política pública moderna”
Moradia é direito constitucional, mas o papel por si só não transforma a vida real. Para o professor Christian Krambeck, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Furb, é dever da União, estados e municípios resolver os gargalos habitacionais das cidades. Isso passa pela construção e implementação de políticas públicas eficientes em todas as esferas de governo.
Porém, é preciso prioridade na efetivação das ações.
O especialista é enfático que sozinha a prefeitura não dará conta de todo o problema, mas pode tomar atitudes transformadoras. O trabalho começa por um diagnóstico dessas comunidades, a criação de comissões por região, a definição de metas e estratégias para solucionar os casos e destinar orçamento. Mas não em etapas longes uma das outras: é preciso agir de forma mais efetiva.
— É preciso construir uma política de habitação nos próximos anos que seja moderna, inovadora e que possa gerar resultados, transformar a realidade fundiária de Blumenau de verdade. Isso inclui dinheiro federal, internacional, estadual, fazer parceria com o Conselho de Urbanismo, inclui uma série de coisas — diz o especialista.