Um brasileiro nato, que ama futebol, Carnaval e vê como banquete um bom prato de feijão, arroz e bife. Carlos Alberto Vieira, 47, o Chocolate, é um homem de 101 quilos que conheceu o pai aos 18, que até os seis anos morava com a mãe nas casas onde ela trabalhava como empregada doméstica e que passou toda a infância e adolescência em um abrigo para menores.
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Estudou em escola pública, não teve condições de fazer uma faculdade, e mesmo diante de tantas dificuldades mostrou que nada disso define a personalidade de uma pessoa. Saiu do abrigo de cabeça erguida, jamais se envolveu com drogas ou delitos. Desde muito jovem se empenhou em aprender e aceitou uma grande variedade de funções para manter a família, composta pela mulher, quatro filhas e cinco netos.
Nascido no dia 1º de janeiro de 1966, em Florianópolis (mas com registro de nascimento em Urubici), mora em São José há 33 anos. Foi office-boy, operador de fotocopiadora, vendedor de mapas e livros, abriu um bar que pegou fogo e ele precisou fechar, foi técnico de time de futebol amador, foi jogador, trabalhou na fundação de esporte e cultura de São José, foi garçom e hoje é coordenador do complexo esportivo da Forquilinha.
Há quase 10 anos é o amado Rei Momo de São José. Com o coração partido por não entrar na avenida este ano, ele escreveu a próprio punho parte de sua história. Confira:
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A raiz da paixão: como tudo começou
Sou filho de Dona Elza Vieira, empregada doméstica e sempre morei nos empregos com minha mãe até os seis anos (ela trabalhava em casas em Florianópolis). Morei no Abraão, Trindade, Centro, Carvoeira e Coqueiros. As mudanças de emprego e, por consequência de endereço, eram constantes porque as patroas não gostavam que ela me levasse junto para o trabalho. Por isso, ainda criança, voltei para Urubici, onde fui registrado ao nascer, para morar com minha vó.
Aos sete anos, minha mãe conseguiu uma vaga na Fundação do Bem Estar do Menor (Fucabem), abrigo que hoje seria a Febem, mas na época era destinado a crianças de baixa renda e não para menores infratores. Fui matriculado em 1974 e foi criado lá. O abrigo ficava na Agronômica, em frente ao Hospital Infantil. Nas férias, passava em Urubici jogando bola com meus primos ( todo ano minha mãe me dava uma bola de futebol nº 5 que eu levava comigo). Mas foi no abrigo que aprendi a jogar bola e a viver em sociedade. Morava eu e mais 400 meninos divididos por idades que ia dos 7 aos 18 anos. Lá tínhamos seis campos de futebol para brincar. Eu atuava como centroavante e ponta esquerda, pois tinha um amigo que era fera para fazer gols. Eu me lembro bem; ficamos dois anos sem perder, era um timaço. Aos 17 anos, fui treinar nos juniores do Figueirense, mas não gostava de treinar porque tinha que correr pelo Estreito, subir as escadarias do estádio, fazer educação física. Quando eu jogava, era fominha e meu tio irritado comigo em uma partida de futebol me chamou de chocolate e a partir daí meu nome foi esquecido. Em 2010, me tornei técnico e hoje sou diretor de futebol dos Amigos da Santo Antônio de Barreiros, mas não jogo mais, afinal, meu regime de engorda para ser Rei Momo não permite que eu me desloque pelo campo com rapidez.
A vida no abrigo
O abrigo era minha casa, os monitores eram nossos pais. Tínhamos tudo o que precisávamos para crescer bem. Tínhamos comida, um teto, um pátio para jogar bola, Tínhamos reforço escolar e depois dos 13 anos já podíamos fazer cursos técnicos e o mercado reservava vagas de emprego para nós. Aprendemos na prática. Lá vivenciei muita coisa, fez vários cursos e aprendi que é preciso trabalhar e estudar para ser alguém na vida. Hoje tudo mudou, não há nada disso nos abrigos. Os menores não fazem cursos e não podem trabalhar antes dos 16. Os monitores não podem educar como devem e é disso que um abrigo precisa, de gente, de funcionário para olhar por estas crianças, orientar, educar, fazer o papel que muitos deles não tem pai, nem mãe para fazer em casa. De todos os meus quatrocentos colegas, um ou dois se desviaram do caminho, o resto são todas pessoas de bem.
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A chegada do Carnaval
Com o time de futebol veio a ideia de fazermos um bloco. No primeiro ano batizamos de “As Virgens da Procasa” foi um sucesso e em todos os Carnavais desfilávamos na comunidade e fomos um dos melhores blocos. Aos 14 anos, nas minhas idas e vindas à Urubici me encantei com a banda de Carnaval dos meus primos. Eles precisavam ensaiar as marchinhas para cantar nos bailes da região e eu ajudava segurando o caderno e cantando junto, nascia aí o futuro Rei Momo de São José. Entre tantas histórias de um folião apaixonado, lembro de uma vez que fui trabalhar num restaurante em São Francisco do Sul, mas ao assistir pela televisão sobre o desfile do enterro da tristeza desisti do serviço, voltei para Florianópolis, guardei minha mala no guarda volume da rodoviária e fui para folia. Foram quatro noites memoráveis. Na quarta-feira de cinzas nem sabia mais que dia da semana era. Ao chegar em casa, minha esposa pensou que eu estava voltando do trabalho em São Francisco, mas me viu na reportagem da televisão no meio do Carnaval e tive que contar tudo.
O concurso para Rei Momo
Em 1999 li nos jornais que iriam fazer um concurso para Rei Momo em Florianópolis e um dos requisitos era ter acima de 100 kg e eu tinha 101. Me inscrevi e participei do concurso ficando em 3º lugar. Em 2001 teve outro concurso e eu participei conquistando o 2º lugar. Fiquei triste com o resultado, mas eu peguei a fantasia que foi feita para mim participar do concurso e viajei para Laguna. Lá desfilei na cidade como Rei Momo, já que o deles estava doente.
Em 2003, sem concurso, nem nada me intitulei o Rei Momo de São José para atrair o Carnaval até a cidade. Criamos o bloco Unidos da Procasa e a Bateria Mirim onde estivemos em vários eventos e em programas de televisão. Este trabalho foi importantíssimo para volta do Carnaval em São José. No outro ano teve concurso para Rei Momo, eu era o único candidato, mas no dia cheguei atrasado e quase perdi para mim mesmo.
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As atrapalhadas
Como Rei Momo de São José, eu dava sorte quando chegava antes do Hulk, o Rei Momo de Florianópolis. Chegando antes eu era recebido com honra de chefe de Estado, ia o palco, nos camarotes, tirava milhares de fotos e quando ele chegava ficava fulo da vida comigo e eu saia de mansinho. Hoje o Hulk já aceita bem e cada cidade tem sua corte.
O empurrão para o Carnaval de São José
Quando eu dizia ser o Rei Momo de São José sempre ouvia que lá não existia Carnaval, então como poderia ter um Rei Momo? Eu ficava com aquilo na cabeça e fui a luta para tentar trazer de volta o Carnaval de rua de São José. Convidei o Sr. Stenio, presidente do acadêmicos e Bloco lufa-lufa, para juntos tentarmos convencer as autoridades a trazer de volta o Carnaval. Fiz um projeto e procurei várias pessoas no município que faziam Carnaval ou queriam fazer. Seo Stenio veio a falecer e eu tive que seguir sozinho. O Dr. Juarez do Bloco Kobraguei , o professor Odail do bloco Piranhas do Saldanha , o Lambreta do Acadêmicos de São José , o Carlinhos do Plataforma , o Bloco Unidos da Procasa com o Projeto Social Bateria Mirim , o Gege que trabalhava na assessoria do Dário Berger , o Rogério e a Maria Augusta do Bloco Lufa-Lufa e o Henrique do Bloco Unidos do Bela Vista foram os primeiros a abraçarem a causa. Mais a frente formamos uma comissão e escolhemos a Corte do Carnaval.
Em sete anos de festas nunca tivemos nenhum tipo de ocorrência delituosa de grande proporção sendo uma festa popular e voltada para as famílias , hoje sou o Rei Momo por nove anos seguidos.
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A experiência adquirida
Durante estes anos conheci muita gente, tive o prazer de poder conhecer mais de perto as autoridades, empresários e não abri mão de estar no meio do povo, pois quando eu sair do posto vou poder estar junto a eles de cabeça erguida. Hoje estou desempregado, fazendo um bico aqui e outro ali, mas vou continuar lutando. O Carnaval é um segmento descriminado, mas é o lazer do povão e cultura e esporte se bem atendida trazem frutos para a sociedade, tirando as crianças de ficam vulneráveis à criminalidade e às drogas.
Eu no Carnaval sou um folião vestido de Rei Momo e quando visto a roupa, seja em locais que tenha muita ou pouca gente me transformo e transbordo alegria e felicidade. Tento passar para as pessoas um pouco da minha alegria, independente de estar ou não com problemas.