Ao assumir a Presidência da República, Michel Temer tem dois anos e quatro meses de governo para mostrar a que veio. Os principais desafios impostos à nova gestão passam pela superação da crise econômica, mas não se restringem ao ajuste fiscal.

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Em pesquisa realizada em julho, o Instituto DataFolha perguntou a 2,7 mil entrevistados qual é o principal problema do país na atualidade. A corrupção apareceu em primeiro lugar para 32% deles, seguida da saúde (17%), do desemprego (16%) e da violência (6%).

A atenção relegada aos desvios de dinheiro público não surpreende especialistas. Para Rita de Cássia Biason, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Franca (SP), o fenômeno é reflexo da visibilidade da Operação Lava-Jato.

Deflagrada em 2014, a ofensiva contra desvios na Petrobras contabiliza, até o momento, 106 condenações e nada menos do que 1.148 anos, 11 meses e 11 dias de penas.

— Os escândalos estão muito em evidência, e a opinião pública é pautada por isso. É bom que seja assim, porque essa percepção gera maturidade política para fazer cobranças. Existem vários projetos importantes em discussão no Congresso, e a pressão da sociedade tende a ser cada vez maior. Temer e a base do governo não vão poder se esquivar — afirma Rita.

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Quanto aos demais desafios elencados, especialistas ouvidos por ZH são críticos. Na saúde, falta detalhar as propostas, algumas delas polêmicas, como a possível reestruturação do SUS. Ao mesmo tempo, as gafes do ministro Ricardo Barros chamam a atenção. Ele chegou a sugerir, entre outras coisas, que pacientes imaginam doenças ao buscar atendimento.

No caso das ações para enfrentar a violência, há expectativa de que o Ministério da Justiça assuma a coordenação de uma política nacional de segurança pública para ajudar Estados e municípios — mas, por enquanto, não há nada definido sobre isso.

Mesmo na área econômica, tratada como prioridade e fundamental para conter o desemprego, Temer recuou e fez concessões em troca de apoio político. Defensores de sua gestão argumentam que as limitações impostas pela condição de interinidade impediam ações enérgicas até aqui e garantem que, a partir de agora, haverá mudanças concretas.

A seguir, confira um resumo de cada problema, o que Temer fez e o que pretende fazer e qual é a avaliação de especialistas.

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CORRUPÇÃO

Polícia Federal é uma das entidades à frente da Operação Lava-Jato, principal ofensiva contra a corrupção no Brasil
Polícia Federal é uma das entidades à frente da Operação Lava-Jato, principal ofensiva contra a corrupção no Brasil (Foto: Jefferson Botega / Agencia RBS)

O problema

O combate à corrupção deu um salto no país com a Operação Lava-Jato. A questão é saber como o novo governo tratará o tema e o que mais fará para coibir malfeitos. Vale lembrar que entre os políticos investigados estão membros do PMDB de Michel Temer e que, no início do governo interino, três ministros caíram por conta da Lava-Jata — dois por suspeita de envolvimento e um por criticar a condução da ofensiva. O próprio Temer chegou a ser citado em delação premiada.

O que a gestão Temer já fez

Michel Temer declarou apoio à Lava-Jato e manteve o delegado Leandro Daiello na direção da PF. Dias depois, causou polêmica ao transformar a Controladoria-Geral da União (CGU) em Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle — cujo ministro nomeado inicialmente pediu demissão após criticar a Lava-Jato. Em julho, avalizou retirada do regime de urgência dos projetos anticorrupção de Dilma Rousseff, sob a justificativa de que deveriam tramitar junto às 10 medidas de combate à corrupção do Ministério Público Federal.

O que a gestão Temer pretende fazer

No mesmo discurso em que declarou apoio à Lava-Jato, Temer afirmou que “a moral pública será permanentemente buscada por meio dos instrumentos de controle”. De acordo com o governo, a criação do Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle dará mais visibilidade ao tema e reforçará o sistema de controle interno.

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Na gestão Temer, a Advocacia-Geral da União ajuizou ações de improbidade contra empresas e pessoas físicas envolvidas na Lava-Jato, pedindo a devolução de R$ 11 bilhões. Ações do tipo poderão ser repetidas em outros casos de corrupção.

Análise

Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti diz que Temer cumpriu a promessa de não interferir na Lava-Jato, mas faz um apelo: espera que que o governo continue priorizando o combate à corrupção, inclusive com apoio financeiro à Polícia Federal. Ele também destaca a importância da discussão e aprovação das 10 medidas de combate à corrupção e afirma que o apoio da base do governo, maioria no Congresso, é fundamental. Embora reconheça a necessidade de aperfeiçoamento de alguns projetos, teme que ocorra uma “descaracterização” e diz que a sociedade precisa “ficar vigilante”.

SAÚDE

Principais problemas do setor, que enfrenta problemas, incluem falta de recursos e má gestão
Principais problemas do setor, que enfrenta problemas, incluem falta de recursos e má gestão (Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS)

O problema

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, e tornou o acesso à saúde gratuito e universal — hoje, ele contabiliza 2,8 bilhões de procedimentos ambulatoriais por ano e 11 milhões de internações anuais. Apesar disso, se tornou uma das principais preocupações da população. A escassez de recursos para financiar o sistema e a má qualidade da gestão se traduzem em filas nos postos, falta de estrutura e hospitais superlotados.

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O que a gestão Temer já fez

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse que o tamanho do SUS precisa ser repensado e sugeriu a criação de planos de saúde populares. Ele também disse que pacientes “inventam” doenças para ser atendidos, o que depois negou, e que os homens vão menos ao médico porque “trabalham mais”. Já Temer foi a público assegurar que a PEC que limita os gastos públicos não atingirá a saúde. Ao mesmo tempo, determinou a criação de grupo de trabalho para elaborar uma proposta de revisão da legislação que orienta o SUS.

O que a gestão Temer pretende fazer

Ainda não foram divulgados detalhes sobre os planos para a saúde, mas as principais polêmicas, além da possível reestruturação do SUS, envolvem a concessão de hospitais públicos à iniciativa privada, uma ideia em gestão no governo. Sem a previsão de anúncio de novos programas, Ricardo Barros iniciou um pente-fino para reduzir custos e já avisou que hospitais ligados à União terão de reduzir o quadro de funcionários, entre eles o Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre. A folga de caixa poderá ser usada em Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) que estão funcionando apenas com recursos municipais. Pressionado por prefeitos, o governo deve manter o Mais Médicos.

Análise

O professor de Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alvaro Guedes, diz que é cedo para avaliar as intenções do governo, mas considera importante o debate em torno da revisão do SUS, desde que para promover melhorias no atendimento aos cidadãos. Um dos pontos a ser priorizado, segundo ele, é a discussão acerca do financiamento do sistema, seu principal desafio hoje. Na avaliação do especialista, dificilmente o país escapará da recriação da CPMF, que incidiu sobre as movimentações bancárias durante 11 anos.

DESEMPREGO

Ministro Henrique Meirelles diz que, sem ajuste fiscal, desemprego pode chegar a 14% até o fim do ano
Ministro Henrique Meirelles diz que, sem ajuste fiscal, desemprego pode chegar a 14% até o fim do ano (Foto: Tadeu Vilani / Agencia RBS)

O problema

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Em julho deste ano, pelo 16º mês consecutivo, o número de demissões superou o total de contratações com carteira assinada no Brasil. No acumulado de 2016, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, 623,5 mil vagas foram fechadas, com queda de 1,6% em relação a 2015. Conforme o IBGE, havia 11,4 milhões de pessoas sem emprego no país em abril. O problema está entre as principais ameaças à estabilidade da gestão Temer.

O que a gestão Temer já fez

Em maio, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a afirmar que o desemprego poderia chegar a 14% no país, se a confiança na economia não fosse restabelecida e, desde então, vem defendendo ajuste fiscal rigoroso. Mas, na prática, as medidas concretas anunciadas se limitaram ao corte de ministérios e à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos gastos públicos, que fixa um teto para os gastos do governo e aguarda votação. Ao mesmo tempo, Temer fez concessões para garantir o apoio da base no Congresso, ampliando o rombo fiscal.

O que a gestão Temer pretende fazer

As principais medidas previstas para a retomada da confiança dos investidores incluem a aprovação da PEC dos gastos públicos, as reformas previdenciária e trabalhista, que prometem provocar muita controvérsia, e o lançamento de medidas de curto prazo para melhorar o ambiente de negócios, entre elas a liberação da venda de terras a estrangeiros e de títulos da dívida ativa da União. O governo aposta no sucesso do plano de concessões e privatizações para atrair investimentos e retomar a criação de empregos. Quatro aeroportos, duas rodovias e duas ferrovias devem entrar na primeira leva de anúncios.

Análise

Assim que tomar posse oficialmente, Temer terá de ser ágil na aplicação do ajuste fiscal prometido. Do contrário, a lua de mel do governo com a iniciativa privada, ancorada muito mais na impopularidade de Dilma do que nas iniciativas implementadas pelo sucessor, pode estar com os dias contados. O entendimento, segundo o economista Rafael Bacciotti, da Tendências Consultoria Integrada, é de que a interinidade limitava os movimentos de Temer. Agora, a expectativa é de que o presidente adote postura mais contundente e medidas mais duras de contenção.

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VIOLÊNCIA

População clama por mais segurança e por paz.
População clama por mais segurança e por paz. (Foto: Félix Zucco / Agencia RBS)

O problema

Das 50 cidades no mundo com maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes, 21 são brasileiras — o que coloca o Brasil em primeiro lugar no ranking. A conclusão é de levantamento realizado pela ONG mexicana Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal, com dados de 2015. O Atlas da Violência 2016 reforça a gravidade do problema: em 2014, o Brasil atingiu a marca recorde de 59,6 mil homicídios, uma alta de 21,9% em relação a 2003.

O que a gestão Temer já fez

Conhecido por defender a reação enérgica do Estado diante de delitos ou desobediências civis, Alexandre de Moraes foi escolhido para comandar o Ministério da Justiça e Cidadania. No fim de maio, após o estupro coletivo de uma adolescente no Rio, ele e Temer anunciaram a criação do núcleo especial de proteção à mulher. Em julho, o ministro também determinou a criação de núcleos permanentes para combater o tráfico de drogas e de armas e o contrabando nas fronteiras brasileiras.

O que a gestão Temer pretende fazer

Ainda não houve um anúncio detalhado do que o governo planeja para a área. O ministro da Justiça solicitou aos auxiliares um levantamento de medidas possíveis contra a violência, que deve ser empacotado nos próximos meses. Uma das opções no horizonte é ampliar o número de núcleos de defesa das fronteiras — os primeiros estão previstos para São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul — e também o número de agentes no policiamento ostensivo nessas áreas, com a convocação de policiais inativos. O governo avalia ampliar a parceria com os Estados para o uso da Força Nacional.

Análise

Há o entendimento de que, nos últimos anos, o governo federal lavou as mãos na área da segurança pública, deixando a responsabilidade exclusivamente com os Estados. Um dos desafios de Temer, na avaliação de Eduardo Pazinato, coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma) e associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é reverter essa situação e priorizar, entre outros pontos, a construção de novos presídios federais no país e a criação de um pacto nacional, incluindo Estados e municípios, pela redução de homicídios e de crimes violentos.

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