A descriminalização do porte de drogas no Brasil será votada nesta quarta-feira (24) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O processo avalia a constitucionalidade da legislação atual, que pune usuários de droga por possuírem substâncias ilícitas mesmo sem causar danos a outras pessoas. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a lei em vigor fere a Constituição e não está de acordo com o Direito moderno e democrático. Entre as mudanças caso a criminalização seja derrubada, pessoas que cumprem pena ou respondem pelo crime terão a ficha criminal alterada.
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A base do debate em questão é o princípio de que o direito penal apenas pune condutas que causam danos a terceiros, e não à própria pessoa, conforme Matheus Falivene, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). O advogado explica que o usuário de drogas não fere outras pessoas, apenas a si mesmo, então não deveria ser punido por uma autolesão.
— Da forma que a lei está desenhada, ela pune a própria pessoa. Na minha visão, tem que ser descriminalizado justamente porque o direito penal não pode punir autolesão sobre pena de se tornar paternalista. Isso é quando o Estado quer mandar na moral das pessoas, e isso não é compatível com o Direito moderno e democrático — observa Falivene.
A discussão sobre a Lei 11.343, de 2006, começou em 2015 e o julgamento no STF trata de um recurso apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo em um caso sobre posse de maconha. A votação da pauta foi interrompida há quase oito anos para um pedido de vistas e o caso estava na fila das pautas do Supremo desde 2018. Três ministros já votaram a favor da descriminalização, mas com diferentes ressalvas.
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O diretor do Núcleo de Direito Penal na Escola Superior de Advocacia da OAB/SC, Bernardo Lajus, avalia que a tendência da Corte é descriminalizar o porte de maconha para consumo, já que o processo que deu origem ao julgamento no STF não trata de todas as substâncias ilícitas.
— O voto do ministro Gilmar Mendes foi para descriminalizar todas as drogas, e eu até concordo com ele. A lei é inconstitucional. Mas outros dois ministros avaliaram que deveria ser só para maconha. Eu acredito que vai prevalecer essa ideia de descriminalizar só o uso da maconha, mas outros ministros que são mais conservadores ainda precisam votar — pondera Lajus.
O professor ainda reforça que descriminalizar é diferente de legalizar a maconha ou as drogas. A legalização seria tornar algo comum ou normal. Já descriminalizar é apenas não punir uma ação que não é legalizada.
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— Não necessariamente algo que é ilegal é crime. Um exemplo é não usar cinto de segurança. É ilegal dirigir sem cinto, mas isso não é crime — cita Lajus.
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O que pode mudar com a descriminalização
De forma prática, a primeira mudança a partir da descriminalização do porte de drogas é a suspensão dos processos em andamento sobre o crime. Pessoas que estão cumprindo pena ou respondendo judicialmente terão sentenças ou acusações extintas. Ainda haverá a cassação dos efeitos da lei, então todas as pessoas que foram processados pelo crime terão a ficha criminal alterada de forma retroativa.
Ainda há a possibilidade da Câmara dos Deputados e do Senado Federal serem acionados para criar uma nova lei que seja mais objetiva e estabeleça uma diferença clara entre usuário de drogas e traficante.
— No próprio voto, o Gilmar Mendes determina algumas ações e o Poder Legislativo teria que agir. E são infinitas as possibilidades. Uma delas é limitar uma quantidade de droga para consumo pessoal, acima do limite poderá ser considerado tráfico, que é crime — lembra o diretor do Núcleo de Direito Penal na Escola Superior de Advocacia da OAB/SC.
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Outra consequência, caso o recurso seja aprovado, é a transferência de responsabilidade sobre a política de drogas da esfera judicial e policial para a saúde pública, segundo Falivene. Apesar do crime atual não ter pena de reclusão, ele é registrado na ficha criminal das pessoas.
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— O impacto é reconhecer que o problema do usuário é de saúde publica, não é um problema policial. Você tira essa questão do direito penal, que traz um estigma. O fato da pessoa ter respondido por um crime desses traz consequências para essa pessoa. Se coloca na saúde pública, a pessoa fica mais livre até para buscar ajuda porque muitas têm medo já que isso pode virar um caso policial — avalia o doutor em Direito Penal.
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