O desenvolvimento de uma nova atividade quase sempre depende de um esforço coletivo, ainda mais quando se trata de algo tão complexo como começar a plantar uvas para desenvolver vinhos. Mas se fosse possível apontar o nome de um protagonista na história dos Vinhos de Altitude catarinenses, produção que completa 15 anos já com bons resultados, seria o de Jean Pierre Rosier. De origem francesa, a família do enólogo chegou ao Brasil na década de 40 para se instalar em Garibaldi (RS) e fundar a vinícola Georges Aubert. Formado em Agronomia, Jean Pierre mora desde 1980 em Videira, no Meio-Oeste, onde trabalhou e se aposentou na Epagri.

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Foi na empresa que Jean se envolveu na pesquisa ousada que consistia em testar a plantação de uvas viníferas a mais de 1300 metros de altitude na Serra e no Meio-Oeste. Foi ele que divulgou, com coragem e visão de futuro, os primeiro bons resultados da carbernet sauvingon, atraindo empresários e validando o investimento público no projeto. De lá pra cá, Jean Pierre trabalhou em 11 vinícolas catarinenses, entre elas Villagio Grando, Villa Francioni, Casa Pisani, Sanjo, Kranz, Monte Agudo e Abreu Garcia, onde hoje é enólogo.

Apaixonado pelo universo dos vinhos, perfeccionista incansável, pesquisador curioso e entusiastas do nosso terroir, Jean, de 59 anos, carrega no currículo um doutorado em Enologia em Bordeaux, na França, e mais de uma centena de trabalhos científicos. O profissional compartilhou com a coluna detalhes sobre o início da aventura e a consolidação de uma atividade que já reúne pelo menos 15 vinícolas.

Como começou o projeto de plantio das primeiras uvas da Serra Catarinense?

O projeto dos vinhos de altitude teve início com um experimento de coleção de variedades de uva distribuídos por todo o Estado nas diversas estações experimentais da Epagri, na época Empasc na década de 80. Uma destas coleções foi localizada em São Joaquim a 1400 m acima do nível do mar. Dado as particularidades do clima joaquinense a ocorrência de geadas tardias fez com que somente a Cabernet sauvignon, a variedade mais tardia, apresentasse produção. Foi realizada a microvinificação de alguns cachos atestando a diferença entre estes vinhos e os demais produzidos no sul do Brasil. A partir daí os olhos da ciência e dos empresários se voltaram para os plantios em locais de altitude. A decisão de divulgar resultados precoces foi um risco assumido por mim, mas os resultados promissores deram a segurança para que os empresários dessem crédito às novidades e apostassem nelas.

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No início, quem confiou que as regiões de altitude poderiam gerar bons vinhos?

Vários foram os colegas da Epagri envolvidos nesta descoberta, pois não existe pesquisa feita isoladamente, mas cabe ressaltar o apoio e o crédito dos governantes nos diversos momentos de desenvolvimento do projeto. Inicialmente o então governador Esperidião Amim apostou na descoberta e a continuidade foi dada através do apoio do também governador Luís Henrique da Silveira, ambos sempre apoiaram e vibraram com o sucesso do projeto. Mas nada teria tido continuidade sem o envolvimento e a absorção do risco de empresários como Caio Pisani, Dilor Freitas e Maurício Grando, para citar os três líderes de uma classe que acreditaram e tomaram para si todos os riscos do negócio.

Quais são as principais características do terroir dos vinhos de altitude?

Os vinhos de altitude são extremamente jovens. Em se tratando de enologia, 15 anos de produção é apenas um início de história. Apesar disso nossos vinhos brancos da variedade Chardonnay se mostram aptos ao envelhecimento o que é uma raridade em brancos sul americanos ganhando muito com volume e aromas terciários. Por outro lado, o sauvignon blanc tem nos brindado com uma explosão de aromas quando jovens persistindo em até dois ou três anos de maneira geral. Quanto aos tintos, a maturidade das plantas, na integração cabernet sauvignon / merlot, tem permitido obter vinhos de cor duradoura, aromas frutados e florais que interagem bem com os aromas da madeira e a presença de taninos elegantes com pouca característica vegetal, o que lhes potencializa ao envelhecimento com ganho de qualidade.

Quando os primeiros plantios começaram imaginavas chegar tão longe em termos de qualidade?

Sempre se sonha em atingir uma qualidade superior porém a brevidade dos resultados tem sido surpreendente. Mas qualidade é uma obtenção difícil de se atingir, ela se faz ano a ano, dia a dia, degrau a degrau, portanto ainda temos muito a fazer seguindo neste caminho.

Quais são as expectativas para futuro da produção catarinense?

O futuro que cada vez chega mais rapidamente indica a consolidação da qualidade e a certificação. Em um primeiro passo a obtenção de uma Indicação Geográfica (IG) com a qual os consumidores terão a garantia de ter um produto produzido nos locais de altitude de Santa Catarina observando determinadas regras de produção que ajudarão os consumidores em suas escolhas. Na Abreu Garcia acreditamos na IG e como incremento de qualidade também estamos buscando o conhecimento profundo de cada parcela de produção de nossas uvas na busca de um cultivo mais natural possível inclusive na utilização de leveduras nativas nos anos em que o clima assim o permitir.

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Quais são os principais imposições para produzir bons vinhos e ganhar mercado?

Estar produzindo em um local em que a conjunção solo-clima-planta e fator humano estejam em harmonia entendendo e respeitando a natureza produzindo somente o que ela permite com excelência, ter humildade de sempre aprender e ser autêntico com o que produz, ter fôlego econômico para fazer seu negócio sobreviver até que os frutos venham a dar resultados. Para adentrar neste difícil mercado o produtor deve estar munido de paciência, perseverança e humildade até que seus produtos sejam conhecidos e ganhem a confiança dos consumidores. Em resumo trabalho, trabalho e trabalho.

Quais foram as três uvas que você acha que mais resultaram bons vinhos nos primeiros 15 anos de vinhos de altitude?

A rainha das uvas, a chardonnay, devido aos resultados obtidos inúmeras vezes em concursos com vinhos tranquilos e com espumantes fora de série, a sauvignon blanc também voltada para a jovialidade dos vinhos e com aromas de boa intensidade, e , entre as tintas, não consigo dissociar o cabernet sauvignon do Merlot pois se complementam na origem de grandes vinhos no mundo e nos nossos em particular.

Para quem quer ter uma ideia da qualidade dos vinhos catarinenses quais seriam os quatro rótulos que você indicaria:

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Vinho Espumante: espumante Festividad Abreu Garcia champenoise, com uvas chardonnay e pinot noir.

Vinho Branco: Gewurztraminner da Leone de Venezia, e sua explosão de aromas.

Vinho Rosé: aqui quebro a regra, tenho que citar pelo menos três exemplares: o rosé malbec da Abreu Garcia que considero acima da média nacional, o Sinfonia, rose da Monte Agudo, pela persistência da jovialidade com o passar dos anos, e o rosé da Susin, que se encontra no mesmo patamar.

Vinho Tinto: Innominabile da Villagio Grando, seu equilíbrio o torna um expoente dos grandes tintos brasileiros.