Celebrar a Páscoa faz parte da cultura nacional, apesar de o Estado brasileiro ser considerado neutro em relação à religião. A adesão à celebração deve-se, principalmente, à presença maciça da população que se declara cristã: 86,8%, conforme o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas a vivência do período compreendido entre o Domingo de Ramos e o Domingo de Páscoa acontece de maneira distinta conforme a descendência de cada povo.

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– Desde o mundo antigo, a Páscoa consiste em uma das mais importantes datas do calendário de festividades do mundo cristão. A mais conhecida conotação religiosa se vincula aos três dias que marcam a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Entretanto, muitos estudiosos tentam dar outra interpretação a esse fato, trazendo uma consideração, uma visão menos denotativa à história da ressurreição – contextualiza o historiador Rainer Sousa.

As etnias que compõem a cultura de Santa Catarina também se manifestam de maneiras distintas no período religioso que marca o ápice da Paixão de Cristo. Os povos europeus que buscaram abrigo da 2a Guerra Mundial no Estado tentam manter tradições. Veja a seguir como descendentes de húngaros, alemães, italianos, portugueses e espanhóis se prepararam para comemorar a data:

Massa recheada, festa ao ar livre e o dia pós-ressurreição

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Originária da região da Calábria, no sul da Itália, a avó de João Lombardo costumava rechear o tórtano com muita linguiça e servir regularmente em almoços familiares. O chefe de cozinha na padaria que leva seu sobrenome em Florianópolis altera a receita do pão na época da Páscoa há 24 anos: a calabresa dá lugar ao bacalhau. Aliada à tradicional colomba pascal [bolo em formato de pomba, que simboliza a paz], a receita mantém na mesa a tradição italiana nesta época do ano.

– Acompanhado de um vinho, o tórtano é uma boa opção de entrada ou até mesmo de refeição completa no almoço de Páscoa. É uma massa simples, a mesma utilizada na pizza, com recheio bastante temperado de bacalhau desfiado. Vendemos muito bem essa receita nesta época, assim como a colomba, que introduzimos o chocolate em uma mescla de culturas – explica o descendente que vive em Florianópolis.

Em formato de finger food (pequenas porções), o prato pode ser levado a piqueniques durante o feriado de Páscoa. Esse, aliás, é um costume bastante comum do povo de origem italiana, que também festeja a data ao ar livre.

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– Passada a dor e a tristeza da Paixão de Cristo, a ressurreição é festejada comendo bem – confirma a presidente do Círculo Italiano Brasileiro em Santa Catarina, Alessandra Carioni.

A pasquetta, o dia depois da Páscoa, no entanto, não se estende ao Brasil, uma vez que o feriado termina no domingo e não na segunda-feira, como no país europeu.

Feliz Páscoa!

Felices Pascuas!

No litoral de Santa Catarina ainda se mantém vivo um costume da Península Ibérica, composta por Portugal e Espanha. Segundo o pesquisador do Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Francisco do Vale Pereira, homens, mulheres e crianças saem às ruas no Sábado de Aleluia para a Malhação ou Queima de Judas, que simboliza a morte de Iscariotes, o traidor de Jesus.

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Mas aos poucos a prática está desaparecendo. Ao meio-dia do Sábado de Aleluia, um boneco de pano forrado com papel, serragem ou trapos, era surrado, rasgado ou queimado.

– Aqui na Barra do Aririú, em Palhoça não se faz mais há uns 20 anos. É uma pena, até porque neste ano teríamos bastante modelitos: Lula, Dilma ou Cunha – brinca o morador Luzair Lauro Martins, 62 anos.

A brincadeira que costumava envolver toda a comunidade também era esperada anualmente pelo funcionário público de São José, Paulo Roberto da Silva, 55. Criado na Caieira de Governador Celso Ramos, na Grande Florianópolis, ele tenta justificar a diminuição da Malhação.

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– O Sábado de Aleluia é o dia mais especial do ano para mim. Sempre foi, até mais do que o Natal. Porque era a diversão que a gente tinha enquanto os adultos vadiavam com a brincadeira do boi. Acordávamos cedo e começávamos a fazer. Depois íamos para a rua surrar o malino. Chegando à praia, pendurávamos e queimávamos o boneco. Era saudável, nunca vi nenhum estímulo à violência. Mas hoje, com televisão, computador e videogame, ninguém quer mais saber disso – lamenta o filho de pescador.

Hoje, tanto Paulo quanto Luzair tentam levar a tradição da Malhação de Judas, do boi de mamão, do pau de fita e do terno de reis, por exemplo, às escolas.

Tradições da mitologia, árvores coloridas e muitos doces

“A primeira das grandes festas germânicas da primavera, representando a vitória do sol aquecedor sobre as trevas e o frio do inverno, é Ostern. Ela somente foi equiparada à festa de ressurreição de Cristo pela Igreja na Idade Média”. A frase é de Jacob Grimm, um dos famosos irmãos Grimm, em livro sobre a mitologia germânica, e expressa a sobreposição da festa cristão em relação àquela que os alemães dedicavam à deusa da primavera.

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Ostara, a deusa germânica da primavera, ainda é celebrada em Santa Catarina, mais precisamente na cidade mais alemã do Brasil: Pomerode. A Osterfest ocorre há sete anos na cidade do Vale do Itajaí. Até o Domingo de Páscoa, as tradições dos imigrantes alemães são celebradas pela cidade. O festival tem concurso de pinturas em casquinhas de ovos, oficinas e feiras de artesanato, contação de histórias, grupos folclóricos, passeios com carros de mola e bicicletas decoradas, além de café colonial.

Mas a Páscoa também se celebra na casa dos descendentes de alemães em Santa Catarina. Logo no início do período da Quaresma, a pedagoga Jeanine Rauh Probst Hantschel, 51, enfeita a casa com a Osterbaum [árvore de Páscoa alemã], pinta as cascas de ovos de galinha e confeita bolachas e amêndoas. Na Semana Santa, ainda se evita o consumo de carne, fala-se baixo e liga-se pouco a televisão ou o rádio – tudo em respeito à Jesus Cristo. Para a família luterana, o período é ainda mais importante que o Natal, por celebrar a renovação.

– Procuramos manter a tradição ao longo das gerações. No domingo, procuramos os ninhos, vamos ao culto e almoçamos juntos. Faço questão de repassar tudo isso ao Richard [filho de 19 anos]. Porque além de ele ser o futuro, é um motivo para estarmos reunidos.

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Boldog Husveti Ünnepeket!

Água de nascente, casquinhas de ovos e borrifos de perfume

O ritual tribal da fertilidade – em que as pessoas jogam baldes de água umas nas outras – não é realizado pelos descendentes de húngaros em terras catarinenses. Mas há outras práticas bastante peculiares que os filhos do país do leste europeu tentam manter durante a Páscoa, principalmente em Jaraguá do Sul, onde estão concentrados.

– Homens e seus filhos saem com um frasco de perfume cada um e vão “regar” todas as mulheres que conhecem, as mais íntimas, pelo menos. Ao chegar até elas, recitam uma poesia, jogam perfume e depois saem para visitar outras. Eles sempre vão na casa de todas as velhinhas do bairro, que já esperam com docinhos e ovos caprichados – exemplifica Amauri Francisco Steinmacher, descendente que preside a Associação Húngara de Jaraguá do Sul.

Dona Catarina Eichinger Panstein ainda guarda, lava, seca e pinta ovos de galinha nesta data. Depois, ela pendura as cascas em galhos de árvore – não de cerejeiras, conforme se faz na Hungria primaveril de Páscoa, mas de uma pequena planta que mantém dentro de casa.

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– Também fazemos o amendoim torrado e confeitado com açúcar para rechear as casquinhas, que são escondidas no jardim para as crianças procurarem no domingo de Páscoa – conta a imigrante, cujos descendentes também fazem o mesmo na escola em Jaraguá do Sul que leva o nome da basílica na capital Budapeste: São Estevão.

Os húngaros em Santa Catarina finalizam a data recolhendo água de nascentes antes do nascer do sol no domingo. O líquido é usado para lavar o rosto e as mãos, além de ser bebido ao longo do dia em alusão à renovação.