Após todas as festas em sua honra em locais como Louvre e Versailles, dezenas de milhares de devotos que seguiram seus ensinamentos religiosos durante décadas, centenas de casas e empresas por todo o mundo, Yoo Byung-eun acabou sozinho; seu corpo em decomposição foi encontrado no mato cercado por garrafas vazias de bebida alcoólica.

Continua depois da publicidade

Depois de uma vida em busca de reconhecimento, da conquista de uma legião de seguidores que o enchiam de dinheiro e ajudaram a financiar um império de negócios que vendia de tudo, desde brinquedos até navios, Yoo descobriu que sua máquina de fazer dinheiro trouxe mais do que sua própria destruição, dizem os promotores públicos. Ela também contribuiu para um dos piores desastres na história da nação – o naufrágio do navio Sewol em abril, que matou 304 passageiros, a maioria deles estudantes.

A acusação alega que milhões de dólares da rede de empresas, incluindo a que controlava o navio, iam para Yoo, de 73 anos, e seus dois filhos, através de uma série de decisões perigosas que enriqueceram a família à custa dos passageiros.

Dezenas de cabines a mais e até mesmo uma galeria de arte forrada de mármore no convés superior da embarcação deixaram-na extremamente pesada. Havia tanta carga extra a bordo que, às vezes, não havia nem espaço para prendê-la corretamente com correntes e cabos. E, dizem os promotores, o lastro de água do navio, fundamental para o equilíbrio do peso adicional, foi deliberadamente drenado para que a embarcação não afundasse muito – fato que mostrou aos inspetores que ela estava perigosamente sobrecarregada para trazer mais dinheiro.

– Foi um milagre a embarcação ter navegado por tanto tempo; ela poderia ter virado a qualquer momento. Para eles, carga era dinheiro – disse Kim Woo-sook, reitor da Universidade Marítima Nacional Mokpo.

Continua depois da publicidade

Reinventando o vigarista

Várias pessoas foram presas em conexão com o naufrágio, incluindo reguladores, o capitão, oficiais e membros da tripulação. Mas, no centro da tragédia, encontra-se uma das famílias mais reconhecidas – e hoje desprezada – da nação.

– A família de Yoo Byung-eun, causadora dessa calamidade, incitou a ira da população ao desrespeitar a lei, não ajudando a revelar a verdade, nem se mostrando arrependida – disse a presidente Park Geun-hye, que também teve seu governo amplamente criticado por falhas na prevenção do desastre, recebeu mais críticas até do que o próprio Yoo antes de sua morte. A esposa do empresário e dois de seus quatro filhos estão sob custódia, e um filho continua foragido.

Representantes da família não responderam a perguntas sobre o desastre, seus negócios ou a sua igreja, embora muitos fiéis tenham dito que Park está tentando demonizar os Yoos para desviar as críticas de seu governo. Mas dezenas de entrevistas com reguladores, oficiais da guarda costeira, promotores, estivadores, membros da tripulação e sócios da família parecem confirmar a afirmação dos promotores públicos de que a família Yoo desempenhou um papel crucial na tragédia ao suprimir recursos de segurança do navio, ao mesmo tempo em que gastava fortunas.

A família usava o grupo de pelo menos 70 empresas em três continentes como uma caixa automática particular, dizem os promotores. E também gastou dezenas de milhões de dólares para melhorar a imagem de Yoo após o suicídio coletivo de 32 membros de um grupo dissidente da sua igreja, há mais de duas décadas.

Continua depois da publicidade

Em uma de suas conclusões mais contundentes, a acusação alega que Yoo e seus parentes retiraram tanto dinheiro da empresa de navios que ela acabou ficando sem fundos e que apenas US$ 2 foram gastos no ano passado no treinamento de segurança dos membros da tripulação do Sewol. O dinheiro foi usado na compra de um certificado.

O corte de gastos com a segurança foi possível porque o sistema da Coreia do Sul que regula navios é cheio de brechas, há escassez de mão de obra, corrupção e a crença na autorregulamentação das empresas. Procuradores e auditores do governo disseram que os oficiais da guarda costeira fizeram vista grossa depois de receber um “agrado” da companhia.

Grandes ambições vêm da infância

As grandes ambições de Yoo começaram na infância. Logo após terminar a escola na década de 60, ele encontrou sua vocação: a religião.

Ao montar sua igreja, embarcou em uma segunda carreira, a de magnata dos negócios. Na década de 70, transformou a igreja em fonte de dinheiro, dizem os investigadores e antigos e atuais salvacionistas, persuadindo os fiéis a doar ou investir suas economias em seu crescente número de empresas. Em 1986, suspeitou-se que Yoo usava suas conexões políticas, cada vez maiores, para entrar no negócio de transporte marítimo de passageiros.

Continua depois da publicidade

Mesmo naquela época, os navios de Yoo já enfrentavam críticas por causa da sobrecarga. Uma vez, quando tentaram embarcar o dobro do limite máximo de 200 pessoas em uma balsa durante uma movimentada temporada de férias, os passageiros se revoltaram, disse Lee Cheong, antigo fiel que trabalhava como tripulante da embarcação.

A ascensão de Yoo foi interrompida em 1991, quando foi preso, após a morte de 32 integrantes de um grupo dissidente da igreja. Eles foram encontrados mortos no sótão do refeitório de uma fábrica em 1987; alguns deles haviam sido enforcados. Yoo não se abalou por causa das mortes, taxando-as de suicídio em massa que podiam ser o resultado de empréstimos que o grupo não podia pagar.

Mas foi condenado por fraudar os membros de sua igreja ao desviar dinheiro para seus negócios. Passou quatro anos preso.

A sentença de prisão e o subsequente colapso de seus negócios durante a crise financeira asiática, na década de 90, foram um tombo do qual poucos coreanos acreditavam que ele se recuperaria. Mas os promotores garantem que ele se reergue rapidamente após a libertação.

Continua depois da publicidade

Início dos problemas

No desastre do navio, os problemas da Sewol parecem ter começado com a adição das cabines extras e da galeria de arte no convés principal em 2012, uma mudança que, dizem, foi ordenada pelo próprio Yoo.

A liberação do novo design ficou com o Korean Register of Shipping, grupo privado licenciado pelo governo para certificar a navegabilidade das embarcações, que designou um inspetor para garantir que a reforma fosse feita corretamente. Esse inspetor é agora um dos seis reguladores presos. A acusação diz que ele aprovou a reforma sem os devidos testes de estabilidade.

A segunda etapa da vistoria seria feita pela Korea Shipping Association, ou KSA, que verifica se os navios não estão sobrecarregados. Os críticos há muito vêm dizendo que a KSA não deveria monitorar a segurança por ser um grupo industrial financiado por empresas de transporte marítimo, justamente as que precisam ser monitoradas. Funcionários da associação argumentaram que essas empresas não dão dinheiro suficiente para inspeções mais minuciosas.

As muitas trapaças voltaram para assombrar o Sewol em 16 de abril. A embarcação, com 2.142 toneladas de carga, o dobro do limite permitido, de acordo com os promotores públicos, dirigiu-se para o trecho mais perigoso da viagem, uma passagem estreita com correntes traiçoeiras; além disso, tinha apenas 761 toneladas de água de lastro, menos da metade do mínimo necessário.

Continua depois da publicidade

Então, o timoneiro fez uma manobra para a direita, mais acentuada do que os 5 graus recomendados pelo Capitão, que não estava trabalhando naquele dia, pois sabia que o navio estava muito instável, disseram os promotores.

Três meses depois, equipes de resgate ainda estão à procura de 10 corpos desaparecidos, e a justiça bloqueou mais de US$ 100 milhões em ativos da família Yoo.

Yoo se tornou então o homem mais procurado da Coreia do Sul. Seu corpo foi encontrado, finalmente, em um pomar, em avançado estado de decomposição, o que dificulta a determinação da causa da morte.

No final, o acidente que derrubou o Yoos envolveu apenas um pequeno pedaço de seu vasto império. A acusação alega que a sobrecarga da Sewol por mais de 13 meses havia gerado à empresa a insignificante quantia de US$ 9,5 mil para cada passageiro que morreu.

Continua depois da publicidade