Você sai de casa se dirige até o Centro sem enfrentar filas. Pode optar por estacionar em espaços públicos ou privados. Caminha pela Rua XV de Novembro sem precisar espremer os ombros para desviar dos outros pedestres. Quem pedala também pode relaxar o olhar por não temer ser atingido por um carro ou uma moto. Se não for em um domingo de Rota de Lazer, este cenário só existe na mente dos que defendem mais humanização na mobilidade de Blumenau.

Continua depois da publicidade

O colapso registrado no trânsito na última segunda-feira, reforça o tamanho do desafio que a mobilidade representa para a cidade nos próximos anos. O episódio forçou blumenauenses a cancelarem compromissos e a passarem horas em filas. A prefeitura credita o caso a uma “junção de fatores”, como a chuva, um bloqueio ocorrido na Rua Bruno Hering e o fato de ser início de mês.

:: Conheça cinco desafios para o próximo prefeito de Blumenau

Há um consenso entre poder público e especialistas da área de mobilidade consultados pela reportagem: é preciso tirar os carros do Centro. Fazer com que motoristas que necessitam se dirigir de um bairro a outro não tenham que passar pelas ruas centrais. Um dos caminhos apontados são os anéis periféricos. Não se trata exatamente de uma novidade. Mantras motivacionais ensinam que japoneses dedicam 80% do tempo a planejamento e 20% a execução. Não se pode dizer que a mobilidade de Blumenau fuja à essa filosofia oriental.

Desde a década de 1970 o desafio apontado é permitir o deslocamento interbairros escapando do Centro. O atual governo trabalha na conclusão do Plano Municipal de Mobilidade, uma exigência federal, inclusive. Mas essa diretriz já constava em projetos como Blumenau 2050 e Blumenau Século XXI, em gestões anteriores. A execução, entretanto, é que demora como se enfrentasse o trânsito da República Argentina às 18h de uma sexta-feira.

Continua depois da publicidade

Velha-Garcia, a unanimidade

A ligação Velha-Garcia é talvez o caso mais emblemático. Uma unanimidade para os blumenauenses como o chope aos apreciadores nos setores da Oktoberfest. Não à toa é – e voltará a ser – chamariz em discursos de sucessivas eleições. Neste segundo semestre, a prefeitura deve concluir o estudo definitivo do traçado, que desde 1996 divide opiniões. Depois disso, vem o desafio de conseguir recursos para a execução.

O diagnóstico e o planejamento são apontados pela atual gestão como os grandes passos dos últimos anos. Obras de médio e longo prazo como os corredores Oeste e Norte e o binário da República Argentina seguem em fase de projeto, mas com recursos afiançados pelo BID. Situação semelhante à da polêmica Ponte do Centro, cujos dois projetos opõem blumenauenses como a rivalidade dos áureos tempos de Olímpico e Palmeiras. Também houve espaço para ações que tentaram trazer avanços. Exemplos como o binário da Alameda Rio Branco e Rua Nereu Ramos e o prolongamento da Rua Humberto de Campos.

Agora, Secretaria de Planejamento e Seterb preparam um trabalho conjunto de monitoramento nas primeiras semanas do mês. A intenção é controlar o tráfego de uma central semafórica, com ação de cerca de 20 agentes e comunicar motoristas pelo serviço do AlertaBlu nos dias do mês em que a situação é mais crítica.

Ônibus, calçadas e ciclovias: onde o protagonismo estará

O trânsito de automóveis já é isoladamente uma amarra a ser desatada em muitas cidades brasileiras. Automóveis estampam outdoors e vitrines, superlotam ruas e se apossam de certo protagonismo no planejamento viário. Papel que, no entendimento de especialistas, deveria ser reservado para um bom transporte público, que motivasse as pessoas a virarem a chave do deslocamento individual para o coletivo. O conceito de mobilidade exige amplitude. O uso racional do carro e as caronas entre colegas de trabalho ou faculdade, por exemplo, são formas de poluir menos e se movimentar melhor.

Continua depois da publicidade

– Não podemos pensar que vamos banir o automóvel, mas temos que utilizá-lo com consciência e buscar outras opções, como a mobilidade ativa. A educação é uma chave para isso – indica o arquiteto e urbanista João Francisco Noll, presidente da ABC Ciclovias.

Mobilidade ativa, ou não motorizada, é o guarda-chuva que abarca bicicletas, skates, patins e pedestres. Nesse caso, não restringir o trabalho somente a campanhas educativas será uma das tarefas da administração pública nos próximos anos. Ciclistas e defensores das bikes cobram uma malha cicloviária sem os hiatos hoje existentes e sem compartilhamento com pedestres, saída criticada quando colocada em prática em locais como a Rua 7 de Setembro. A atual administração afirma que há sete lotes de qualificação de calçadas e ciclovias em curso – o primeiro deles, na região Norte, executado, e os demais em andamento.

Nas calçadas – responsabilidade dos moradores e que têm 57,2% consideradas ruins ou péssimas, aponta levantamento da Secretaria de Planejamento -, alguns trechos se eternizam com postes ou desníveis. O planejamento discutido com a população é fundamental para indicar caminhos e formas de construir um futuro com menos congestionamentos e mais facilidade no deslocamento. Dias mais parecidos com os domingos de lazer e menos com as segundas-feiras de paralisia.