O desabamento do viaduto Batalha dos Guararapes, que matou duas pessoas e deixou outras 23 feridas em Belo Horizonte no dia 3, tirou o sono de muito gestor Brasil afora. Afinal, essa era uma das 45 obras de mobilidade urbana ligadas ao evento Copa do Mundo, e o temor é de que, na pressa de finalizar as construções a tempo do certame, erros grosseiros possam ter sido cometidos.
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Que houve algo de muito grave em Belo Horizonte, ninguém refuta, a começar pela prefeitura, que admite possível falta de fiscalização e equívocos na execução do viaduto por parte das empreiteiras.
A obra era do sistema BRT (ônibus rápido). O acidente aconteceu na Avenida Dom Pedro I e, conforme perícia inicial, um dos três pilares da alça sul do elevado afundou seis metros. O pilar é amparado por 10 estacas de concreto armado, com profundidade de 22 a 24 metros e 80 centímetros de diâmetro, que também serão vistoriadas em busca de falhas.
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Como isso ocorreu? Pelo menos seis possibilidades serão levadas em conta na investigação: elevada feita sobre solo instável, pressa na conclusão da obra, erro de cálculo, erro na montagem dos pré-moldados, material de qualidade inferior e falta de fiscalização.
E como está a situação em Porto Alegre? As duas grandes obras entregues no período da Copa, os viadutos das avenidas Pinheiro Borda e Júlio de Castilho, são seguras e não correm risco de cair. Quem garante é a prefeitura, responsável pela fiscalização das duas obras.
– Fizemos todas as sondagens recomendadas, antes de se iniciar a construção. E todos os testes, após ela começar. Nada indica problema estrutural – afiança o diretor da Divisão de Obras da Secretaria Municipal de Obras e Viação, engenheiro civil José Carlos Keim.
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O elevado da Pinheiro Borda, próximo ao Beira-Rio, ficou pronto no dia 7 de junho. O da Júlio de Castilhos, que passa junto à rodoviária, dia 12 do mesmo mês. Ou seja, ambos antes do primeiro jogo do campeonato mundial na Capital.
Até pela pressa em inaugurar as obras antes da Copa, sempre há desconfiança de que alguma etapa de segurança possa ter sido pulada. Mas Keim garante que isso não ocorreu. Ele diz que o concreto usado nas lajes foi submetido a testes de compressão (resistência ao peso) e de consistência.
Especialistas atestam obras
Elevada da Avenida Júlio de Castilhos foi liberada para tráfego no dia 12, na abertura dos jogos (Foto Ronaldo Bernardi / Agência RBS)
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O mesmo aconteceu com as fundações (assentadas sobre rocha, no caso da Pinheiro Borda). A resistência dos fios de aço e a qualidade do asfalto foram aprovadas.
– Tudo conferido no local e também em laboratório. Claro que vamos continuar vistoriando, mas estão ótimos – diz Keim.
Erros de projeto ou de análise de solo são difíceis de ocorrer, especialmente com todos os testes realizados, asseguram dois especialistas consultados por Zero Hora: os engenheiros Alcides Capoani, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RS) e Luiz Carlos Pinto da Silva Filho, professor da UFRGS, expert em Patologia das Construções.
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O Brasil é um dos mais avançados no mundo em cálculo estrutural, e o Rio Grande do Sul é destaque nesse quesito, ponderam os dois. Já problemas derivados de decisões políticas (pressa em inaugurar a obra) ou econômicas (uso de material mais barato e de qualidade inferior) costumam ser as principais causas de acidentes com grandes obras viárias, afirmam os especialistas.
– Mas as obras ?falam?, dão sinais de falha. Agora é fiscalizar – resume Silva Filho.
Os testes nas duas obras de Porto Alegre
Resistência à compressão do concreto
– Finalidade: controle da resistência do concreto aplicado na obra. Consiste na extração e no rompimento de corpos de prova (pedaços para teste).
– Procedimento: monitora a resistência das diversas peças da infraestrutura e superestrutura (blocos de fundação, pilares, vigas e lajes pré-moldadas).
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Abatimento (slump test)
– Finalidade: controle da consistência do concreto aplicado.
– Procedimento: monitora a mobilidade da massa e a coesão entre seus componentes.
Carregamento dinâmico de carga das fundações (estacas)
– Finalidade: avaliação da resistência das fundações (provas de carga).
– Procedimento: monitora o desempenho dos elementos de fundação.
Testes de Protensão
– Finalidade: avaliação da tensão de fios e cordoalhas de aço.
– Procedimento: monitora a segurança dos viadutos estaiados
e as superestruturas protendidas.
Concreto Betuminoso usinado A quente – CBUQ
– Finalidade: avaliação do traço e da estabilidade da capa asfáltica.
– Procedimento: realizado in loco e na usina. Monitora a qualidade, a durabilidade e a estabilidade da capa asfáltica lançada sobre a superestrutura (granulometria, taxa de betume, temperatura etc.).
Fonte: Secretaria Municipal de Obras (Smov)
Outra construção do BRT mineiro tem falhas estruturais
A queda do viaduto na Avenida Dom Pedro I não é o único problema nas obras da Copa em Belo Horizonte. O Terminal de Integração São Gabriel, situado no bairro com o mesmo nome e também integrante do sistema BRT, está repleto de falhas graves de estrutura, de acordo com laudo realizado pelo Instituto Mineiro de Perícias (IMP), especializado em laudos judiciais.
A obra foi inaugurada no início de maio. Relatório feito pelo perito judicial Gerson Angelo José Campera e divulgado em 15 de junho constatou que o terminal tem falta de parafusos em vigas, pilares fora de prumo, peças remendadas, fissuras em vigas e sistema de escoamento falho, entre outros problemas.
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O terminal é uma das principais obras do transporte rápido por ônibus (BRT), por onde passam 80 mil pessoas por dia. O relatório da perícia diz que a obra – recém-inaugurada, mas que está com telhado incompleto – está em “processo inicial de deformação”.
– Existem tubos que precisam de 12 parafusos, mas há apenas dois. Peças empenadas. Vários pontos sem saída de água. Encaixes que não estão perfeitos. A estrutura começou a se deformar – resume o perito, que é consultor em geotecnia e estruturas.
Campera diz que o maior problema é que a estação já está em uso. A estrutura metálica, tubular, é muito pesada e há possibilidade de queda de peças de mais de 200 quilos. Orçado em R$ 44,3 milhões, o terminal, com área equivalente a dois quarteirões, faz a integração entre linhas alimentadoras de ônibus e o BRT da capital mineira.
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De posse do laudo, o vereador Iran Barbosa (PMDB) quer que a Câmara de Belo Horizonte instaure uma CPI sobre obras da Copa. É a terceira com problemas estruturais naquela cidade, sendo que uma – o viaduto Batalha dos Guararapes – caiu.
Zero Hora tentou ouvir o secretário de Obras de Belo Horizonte, Lauro Nogueira, mas não obteve resposta ao questionamento feito.
O que poderia ter provocado o desabamento da elevada de BH
Perícia aponta fissuras e problemas na colocação de parafusos (Foto Pedro Duarte / AFP)
– Afundamento do terreno ou do pilar: seria um completo erro de avaliação construir sobre uma rocha instável ou onde não foram feitas fundições adequadas, mas pode ocorrer. O equívoco pode também ser na construção dos pilares. Basta um afundar para comprometer a estrutura. Em Belo Horizonte, um dos pilares afundou seis metros. Ele era amparado por 10 estacas de concreto armado, com profundidade de 22 a 24 metros. Pode ter erro no estudo do solo, no projeto da estrutura ou na execução.
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– O concreto precisa ser escorado na madeira (ou metal) e tem um tempo de pega (endurecimento), de seis a oito horas. E de cura (atinge resistência passível de retirar as escoras), de até 28 dias. Só assim adquire capacidade de suportar o próprio peso e daquilo que irá carregar. Será que ficou pronto ou apressaram o prazo? Em BH foram ouvidos estalos antes do desmoronamento, sinal de ruptura abrupta.
– Erro de projeto ou cálculo estrutural: algum cálculo equivocado da capacidade de suporte de carga do viaduto. É raro.
– Erro de execução ou de montagem: na hora de encaixar os pré-moldados pode ocorrer falha no equilíbrio das peças. Aconteceu com o monotrilho próximo ao Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
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– Material de qualidade inferior: acontece, por economia de custo. A estrutura manda avisos: rachaduras, fissuras. O engenheiro percebe se é algo na fundação ou por movimentação térmica. Pode ser viga mal construída ou laje.
– Falta de fiscalização: várias das causas anteriores estavam presentes e não foram fiscalizadas na obra de Belo Horizonte.
Fontes: Alcides Capoani, presidente do CREA-RS e Luiz Carlos Pinto da Silva Filho, professor da UFRGS, especialista em Patologia das Construções.
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