Deputados em Santa Catarina avançaram com um projeto de lei na Alesc que propõe que meninas vítimas de estupro não tenham obrigatoriamente de passar por perícia com uma legista mulher, mas possam também ser atendidas por médicos homens. A justificativa é de que o Instituto Geral de Perícias (IGP-SC) não conta com quadro suficiente de servidoras mulheres para realizar os exames em prazo adequado, o que estaria comprometendo investigações sobre casos de abusos.
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A obrigatoriedade de atuação de peritas mulheres em casos assim é estabelecida atualmente pelo Programa de Atenção a Vítimas de Estupro em Santa Catarina, da Lei Nº 17.995, de setembro de 2020.
“Sempre que possível, a vítima do sexo feminino será examinada por perito legista mulher, exceto em caso de menor de idade do sexo feminino, que deverá ser, obrigatoriamente, examinada por legista mulher”, prevê o terceiro parágrafo do artigo 1º da lei.
Uma proposição de 2021 do deputado estadual Nilso Berlanda (PL), no entanto, por meio do projeto de lei 0262.0, define a mudança deste item por um outro texto, que determine a atuação de legistas mulheres apenas caso isso não comprometa a persecução penal, ou seja, o andamento das investigações.
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“A vítima do sexo feminino será examinada por perito legista mulher, sobretudo em caso de menor de idade, desde que não importe retardamento ou prejuízo da diligência”, prevê a proposta.
O novo texto avançou, nesta quinta (5), na Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente por unanimidade. O relator da proposta no comitê, o deputado estadual Pepê Collaço (PP), reforçou, na ocasião, o argumento de que a legislação atual compromete o acesso à Justiça por vítimas de estupro.
— Queremos reforçar e ratificar que, com apenas 15 médicas peritas, o projeto original acaba prejudicando quem precisa dessa assistência — afirmou o parlamentar.
STF já considerou obrigatoriedade inconstitucional
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu ser inconstitucional a obrigatoriedade de atuação de peritas mulheres em situações assim ao julgar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) relativa ao estado do Rio de Janeiro, que contava, à época, com legislação idêntica à de Santa Catarina.
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Na ocasião, a ADI 6039 chegou à Corte a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) que, em resumo, contestava a norma estadual em três pontos: ela ofendia a competência da União de legislar sobre direito processual penal; ofendia também o direito das crianças e adolescentes ao acesso à Justiça, assim como os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, uma vez que, em especial no interior, não havia acesso adequado a médicas legistas; e prejudicava a persecução penal, já que médicos legistas plantonistas estariam se recusando a fazer os exames periciais no prazo razoável.
Ao propor a suspensão da obrigatoriedade no Rio de Janeiro, o relator do caso no STF, o ministro Edson Fachin, afirmou que, embora a norma visasse proteger as vítimas de estupro menores de idade, ela teria proporcionado efeito contrário. Ele foi acompanhado então pela maioria do Tribunal, que concedeu liminar para derrubar o regramento sobre a atuação dos legistas.
A ADI foi encerrada na ocasião após os deputados estaduais no Rio de Janeiro terem aprovado, ainda em 2019, a legislação local sobre o programa de atenção às vítimas de estupro.
“Sempre que possível, a vítima do sexo feminino será examinada por perito legista mulher, exceto em caso de menor de idade do sexo feminino, que deverá ser, obrigatoriamente, examinado por legista mulher, desde que não importe retardamento ou prejuízo da diligência”, diz agora a legislação carioca.
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Quadro de peritas do IGP
O NSC Total questionou a Polícia Científica de Santa Catarina, que agrega o IGP, se o quadro atual de peritas legistas mulheres é insuficiente para atender vítimas de estupro de vulnerável em tempo adequado e se possui previsão de eventuais novas contratações, mas ainda não obteve posicionamento.
A reportagem também buscou contato com a Polícia Civil catarinense, para averiguar se as investigações de casos assim estariam, de fato, comprometidas, mas também ainda aguarda retorno.
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