Mais de 350 milhões de pessoas em todo mundo têm depressão, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Trata-se ainda da 1ª causa de incapacitação ao longo da vida. Apesar da grande prevalência e gravidade, falar sobre essa síndrome abertamente ainda é difícil devido aos preconceitos que a envolvem. A estigmatização da depressão faz com que o tratamento da doença seja pouco procurado pelos pacientes. A pesquisa National Health and Wellness, realizada pelo Instituto Kantar Health com 12 mil brasileiros para apontar sua visão sobre diferentes condições de saúde, revela que aproximadamente 10% dos adultos no país apresentam sintomas de depressão. Neste universo, somente 28,1% recebeu diagnóstico para a síndrome e uma parcela ainda menor (15,6%) utiliza medicações prescritas por especialistas para o controle do quadro.

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Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), mais de 80% das pessoas com depressão podem melhorar se receberem o tratamento correto. A maioria dos indivíduos, no entanto, busca auxílio médico somente para tratar os primeiros sintomas da síndrome ou as recaídas. O ideal é que, além do tratamento medicamentoso, o paciente realize acompanhamento psicoterápico para recuperar sua funcionalidade e restaurar sua capacidade plena de atuação.

– O paciente realmente tem uma melhora inicial com qualquer tratamento antidepressivo. Mas se trata de uma pequena melhora. Se não voltar completamente ao normal – o que só é possível quando recebe o tratamento adequado pelo tempo correto – a pessoa continua a ter sintomas mais leves que, em longo prazo, geram um grande comprometimento – explica Kalil Duailibi, professor do departamento de Psiquiatria da Universidade de Santo Amaro (Unisa) e ex-coordenador de saúde mental da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo (SP).

Esses sintomas remanescentes da depressão – como a diminuição da memória, o aumento da irritabilidade, a queda na capacidade de concentração e até mesmo sintomas físicos dolorosos – afetam os relacionamentos, a tomada de decisões e prejudicam o desempenho no trabalho. Segundo o especialista, é uma situação que se retroalimenta. Se o paciente com depressão não retomar realmente a funcionalidade, há chances do quadro se tornar crônico. Além disso, a presença desses sintomas aumenta a chance de recaídas: nestes casos, um episódio pequeno pode desencadear a depressão de novo.

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De acordo com a psiquiatra Luciana Sarin, médica assistente do Programa de Doenças Afetivas (Prodaf) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), infelizmente cerca de 60% a 65% dos pacientes não consegue alcançar a remissão após o tratamento antidepressivo inicial.

– O tratamento antidepressivo individual, customizado segundo o perfil dos sintomas do pacientes e suas características sócio-demográficas, pode aumentar as chances de remissão completa e, dessa forma, diminuir o risco de recaída e recorrência – ressalta.

O paciente pode ser 100% reintegrado em todas as esferas de sua vida: social, afetiva e profissional. Os especialistas salientam que nenhum dos tratamentos disponíveis atualmente é totalmente eficaz para todas as pessoas. Deve-se combinar o tratamento com o paciente, não o paciente ao tratamento. Atualmente há inúmeras estratégias para que a remissão dos sintomas depressivos seja alcançada e os clínicos devem tomar decisões de tratamento individualizado para cada paciente.

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Os medicamentos para o combate à depressão têm evoluído ao longo dos anos e atuado no organismo de maneira mais eficaz, com diminuição significativa dos efeitos adversos. Entre eles, a pouca interferência no peso e na libido, além de baixa probabilidade de interação medicamentosa, inclusive com anticoncepcionais, o que é um ganho para as mulheres. Essa nova era do tratamento é marcada por um importante avanço dentro da 3ª geração de medicamentos antidepressivos, os chamados duais. Um exemplo é a Desvenlafaxina, que age como inibidor da recaptação da serotonina (5-HT) e da noradrenalina (NE), substâncias do sistema nervoso que são diretamente relacionadas ao mecanismo da depressão.

Sinônimo de tristeza?

A depressão é uma síndrome. A tristeza é apenas uma das suas manifestações e, inclusive, há quadros depressivos em que ela não se manifesta. Apatia, desinteresse pelas atividades rotineiras, insônia ou excesso de sono, perda de apetite, irritabilidade, dificuldade de digestão, fadiga, sintomas físicos dolorosos e outros sinais também podem ser depressão. O diagnóstico da depressão é feito a partir da presença dos sintomas por mais de 15 dias.

Por dentro da depressão: conheça melhor essa síndrome

As reações da depressão no organismo são muito mais amplas do que as alterações de humor perceptíveis. Ela engloba desde a deficiência no nível de alguns neurotransmissores – serotonina, noradrenalina e dopamina – até alterações em níveis hormonais. Com menos ‘mensageiros’, a comunicação entre neurônios fica prejudicada e também a regulação das funções desses neurônios. A partir daí, o corpo e a mente começam a padecer. A deficiência de neurotransmissores traz ainda a diminuição de substâncias protetoras dos neurônios, podendo causar inclusive morte de células cerebrais.

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Química da depressão

Os sintomas da depressão ocorrem devido a alterações no processamento de informações e disfunções na transmissão de sinais entre neurônios, em diferentes regiões do cérebro.

SINTOMAS E CIRCUITOS DA DEPRESSÃO

*Sintomas

Região cerebral de processamento

Neurotransmissores envolvidos

Humor deprimido

Amígdala

Córtex pré-frontal (Ventromedial e Área subgenual)

Serotonina, noradrenalina e dopamina

Apatia e perda de interesse

Córtex pré-frontal

Hipotálamo

Nucleus accumbens

Dopamina e noradrenalina

Alteração do sono

Córtex pré-frontal

Hipotálamo

Tálamo

Prosencéfalo basal

Serotonina, noradrenalina e dopamina

Fadiga

Córtex pré-frontal

Núcleo estriado

Nucleus accumbens

Dopamina e noradrenalina

Disfunção executiva (dificuldade de planejamento e realização de atividades rotineiras em sequência)

Córtex pré-frontal

Dopamina e noradrenalina

Alterações psicomotoras (agitação e lentidão)

Núcleo estriado

Córtex pré-frontal

Cerebelo

Serotonina, noradrenalina e dopamina

Alterações de peso e apetite

Hipotálamo

Serotonina

Ideação suicida

Amígdala

Córtex pré-frontal (Ventrolateral e Orbital frontal)

Serotonina

Ideação de culpa e menos-valia (inferioridade)

Amígdala

Córtex pré-frontal (Ventrolateral)

Serotonina

Adaptado (Stahl, 2010)

Devido ao quadro depressivo, o hipotálamo – região cerebral que, entre outras funções, coordena a produção de hormônios em diferentes glândulas – estimula a produção de cortisol (conhecido como hormônio do estresse) em excesso. Essa alteração ajuda a liberar fatores inflamatórios e a diminuir a capacidade imunológica do organismo. Por isso, os pacientes depressivos têm maiores chances de adoecer do que aqueles que não sofrem da doença. A depressão pode tornar-se crônica por conta da disfunção do cortisol. Nestes casos, quanto mais tempo demora para o paciente receber o tratamento correto, menores são as chances de sucesso.

Como tudo começou

Na década de 1950, ao se pesquisar um tratamento para tuberculose, percebeu-se que o medicamento também fazia efeito em sintomas depressivos. Com isso, descobriu-se, acidentalmente, a importância dos níveis de neurotransmissores no quadro da depressão. A seguir, mais informações sobre os tipos de antidepressivos existentes.

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TRATAMENTO DA DEPRESSÃO – EVOLUÇÃO

? Tricíclicos

Primeira geração de antidepressivos, muito eficazes, atuam bloqueando o ‘transporte’ dos três principais neurotransmissores relacionados à depressão: serotonina, noradrenalina e dopamina. Como causam muitos efeitos colaterais, a adesão ao tratamento fica prejudicada.

? IMAO: inibidores da monoaminaoxidase

A monoaminaoxidase é uma enzima responsável por ‘desativar’ a serotonina, a noradrenalina e dopamina. Assim, os medicamentos IMAOs agem diretamente nesta enzima, a fim de aumentar a disponibilidade dos três neurotransmissores que têm papel importante na depressão.

? ISRS: inibidores seletivos de receptação de serotonina

Com mecanismo de ação focado no bloqueio da serotonina, esses medicamentos possuem menos eventos adversos do que os medicamentos anteriores a ele. Conhecida como segunda geração de antidepressivos, a classe é uma das mais utilizadas para a depressão, melhora a adesão do paciente ao tratamento, mas não possui a mesma eficácia dos tricíclicos.

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? IRSN ou duais: inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina

Conhecidos como terceira geração de antidepressivos, esses medicamentos atuam sobre os neurotransmissores serotonina e noradrenalina e aliam eficácia no controle da doença com menor interação medicamentosa e menos efeitos colaterais.

A revista Mente e Cérebro elaborou uma lista com sete novidades para combater a depressão:

1) Aprender a dormir

Segundo a psicóloga Karina Haddad, do centro de pesquisa Instituto do Sono, o raciocínio usual era que, tratando a depressão, a dificuldade de dormir melhoraria, mas muitos novos medicamentos que se mostraram eficazes no tratamento da depressão não foram eficientes contra a insônia. Quando ela é tratada, inevitavelmente os sintomas depressivos melhoram.

2) Cetamina: 40 minutos

É o tempo médio que a cetamina, ou quetamina, leva para aliviar os sintomas de pessoas com depressão crônica com resistência aos antidepressivos comercializados atualmente – que demoram, em média, mais de duas semanas para fazer efeito.

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3) Estimulação Cerebral Profunda (DBS)

Na estimulação cerebral profunda são colocados dois eletrodos no cérebro, ligados por fios a uma bateria implantada no tórax, que envia a eles impulsos elétricos para estimular a produção de neurotransmissores relacionados à melhora do humor.

4) Estimulação Magnética Transcraniana (EMT)

Reconhecida para tratamento de depressão pelo Conselho Federal de medicina (CFM) em 2012, a técnica de estimulação magnética transcraniana consiste de ondas eletromagnéticas que são aplicadas sobre o cérebro com o objetivo de modular o funcionamento de regiões que operam de forma alterada em pessoas com transtornos neuropsiquiátricos. A EMT pode ajudar pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso, acelerar a resposta a ele ou mesmo ser uma alternativa pra aqueles que não toleram os efeitos colaterais dos antidepressivos ou têm contraindicação a esses medicamentos.

5) Cuide do seu coração

Estudos voltados para a relação ‘mente-coração’ ainda são poucos e recentes, mas já se sabe que transtornos de humor dobram as chances de uma pessoa sofrer ataques cardíacos. A atividade física previne o estresse oxidativo no meio intracelular, um marcador biológico em comum de doenças cardiovasculares e de transtornos do humor.

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6) Psicoterapia e meditação

Segundo o psicólogo Zindel Segal, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Toronto, o cérebro de pessoas com depressão está ‘habituado’ a processos cognitivos que desencadeiam o problema, como pensamentos depreciativos sobre si mesmas. A meditação ajuda o paciente a se conscientizar de emoções, fantasias, lembranças e situações que passam por sua mente consciente, aceitando-as.

7) Ácido fólico: a vitamina do bem-estar

Uma revisão de 11 estudos por pesquisadores da Universidade de York, no Reino Unido, envolvendo mais de 15 mil pessoas no total, aponta que a depressão está associada a níveis mais baixos de ácido fólico, ou vitamina B9, no sangue. Existem também estudos que apontam, por exemplo, que a depressão e o distúrbio bipolar se manifestam com mais frequência em pessoas que haviam consumido menos ômega-3. Algumas pesquisas sugerem que a combinação de suplementos de ácido fólico (em quantidades determinadas pelo médico, pois em excesso a substância pode causar deficiência de outras vitaminas) com o tratamento medicamentoso-padrão pode incrementar a melhora dos sintomas da depressão.