Obra de arte é acontecimento, afirmam os estudiosos de Deleuze. A arte na obra de Paulo Gaiad é acontecimento, memória e apagamento, mas também profundidade e preenchimento. Por ironia ou vocação mesmo, o premiado artista paulista de 60 anos, radicado em Florianópolis há mais de 30, acaba de voltar de um tempo em que a memória lhe faltou – ele que tanto aborda a memória em seus trabalhos.
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Hoje ele é o foco central da conferência Olhares sobre Paulo Gaiad, promovida pelo Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Udesc, em que convidados falarão das variações contidas na obra do artista. Parte dessa variação pode ser conferida em Fragmentos de um Noturno, exposição na galeria de arte Pedro Paulo Vecchietti – a primeira depois do grave problema neurológico que o deixou sem movimentos e com dificuldades de comunicação – que abriu em outubro e foi prorrogada até o dia 20 de dezembro.
Em seu ateliê no Campeche, Sul da Ilha, repleto de fragmentos e lembranças de seu passado e presente como artista, ele fala de que é feita sua arte: pensamento.
– Meu trabalho não é padrão, de pintura ou decoração. É o que a arte contemporânea é hoje: conceito.
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Ao explicar o apagão que o acometeu em março deste ano, deletando de sua mente detalhes dos acontecimentos recentes, o artista conclui que foi uma pausa mental necessária para ele que tem uma produção artística pautada na emoção, sim, mas principalmente no pensamento.
– Eu vivo um momento e depois que deixo de vivê-lo, penso sobre ele. Meu trabalho não é comercial. É uma produção constante em cima desse meu pensar.
E, no entanto, Gaiad vive há mais de 20 anos de sua arte. E vive um momento de retorno à vida. Divagando, emenda a história da vaca preta que pastava no terreno em frente à sua casa, onde hoje foi construída uma igreja. De tanto observá-la, refletiu sobre a condição da vaca e a condição do artista. E assim ele escreveu um tratado, um livro-arte chamado Atestado da loucura necessária ou a vaca preta que pastava em frente à minha casa. O atestado rendeu até curso que ele ministrou no museu Victor Meirelles, na Capital, quando incitou alunos a escolherem algum tema absurdo, sempre em busca de romper padrões e ir além.
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Além da habilidade técnica
Respeitado no circuito de arte contemporânea dentro e fora do Brasil, Paulo Gaiad é um artista premiado. Destaque para prêmios como o do 47º Salão Paranaense do Museu de Arte de Curitiba (1990), do 1º Salão do Mar de Antonina (1991), Cultura Viva (1997), 6º Salão Victor Meirelles (1998) e do 5º Salão de Arte Graciosa, de Curitiba.
Nascido em Piracicaba, interior de São Paulo, ingressou na faculdade de arquitetura em Brasília, mas dois anos depois voltou para o Estado natal onde trabalhou no escritório de Vilanova Artigas (1915 – 1985), conhecido como pai da arquitetura teórica. Veio para Florianópolis no começo dos anos 1980.
Seu trabalho como artista correu em paralelo a outras atividades e até mesmo a tragédias familiares, como a morte da primeira filha, ainda bebê, e do incêndio que destruiu sua casa no Campeche. Para ele, que desde jovem tinha facilidades para desenhar e pintar, ser artista passa pelo processo de pensar. E suas criações provocam no espectador justamente esse pensar. Por que imagens eróticas proibidas para ilustrar o Paraíso, em sua recriação visual de A Divina Comédia, de Dante Alighieri (1285 – 1321), quando todos colocariam obscenidades no Inferno? Porque paraíso é estar vivo, responde ele.
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– Ser artista é ir além do exercício da habilidade técnica. É viver uma questão e transformar isso em tantos trabalhos. Isso é o que faz um artista de verdade.
Exposição Fragmentos de um Noturno
A mostra Fragmentos de um Noturno foi inspirada na canção Noturno, do pianista de Florianópolis Alberto Heller. Gaiad ouviu a música pela primeira vez em 2008. Fazendo referência ao corpo de um piano, desfeito e reinventado, a exposição propõe uma interação das artes visuais com a música.
Reúne 25 peças que misturam pedaços manuscritos da partitura musical em colagens com papelão, madeira e chapas de metal, que trazem representações de fragmentos de imagem interior e exterior, fragmentos de corpos, e fragmentos simbólicos. De novo, temas como memória, tempo, perda, dor e movimento, recorrentes em suas criações, aparecem.
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:: Agende-se
O quê: Conferência Olhares sobre Paulo Gaiad
Quando: Hoje, 18h
Onde: Plenarinho da Reitoria 1 da Udesc (av. Madre Benvenuta, 1.907, Itacorubi, Florianópolis)
Quanto: Gratuito
Florianópolis: (48) 3321-8300
Agende-se
O quê: Exposição Fragmentos de um Noturno, de Paulo Renato Gaiad
Quando: até 20/12, segunda a sexta-feira, das 13h às 19h
Onde: Galeria Municipal de Arte Pedro Paulo Vecchietti (Praça 15 de Novembro, 180, Centro, Florianópolis)
Quanto: Gratuito
Informações: (48) 3228-6821
:: Assista: depois do presídio de não ter a memória, Gaiad reflete sobre sua forma de criar.