Silêncio, choro e contradições nos depoimentos. Assim foi parte do primeiro interrogatório que ouviu os três réus do processo que apura responsabilidades no crime conhecido como chacina de Canasvieiras, na noite de 5 de julho de 2018, em um apart-hotel do bairro em Florianópolis. Cinco pessoas, sendo quatro da mesma família, foram asfixiadas cruelmente com cabos e cordas. Um dos crimes mais bárbaros da história recente da Capital.

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Durante quase duas horas, na tarde da última terça-feira (26), dois dos acusados responderam perguntas do promotor Rafael de Moraes Lima e dos advogados de defesa no Fórum. Um deles, Francisco José da Silva Neto, de 22 anos, apontado pela Polícia Civil como mentor e executor da chacina, preferiu ficar em silêncio.

Já os réus Michelangelo Alves Lopes – que chorou durante o interrogatório – e Ivan Gregory Barbosa de Oliveira, ambos denunciados por homicídio qualificado pelo Ministério Público (MP), negaram participação nas mortes. Disseram ter ido até o apart-hotel Venice Beach na tarde daquele dia 5 de julho "para roubar". Alegaram, ambos, acreditarem na ocasião que havia grandes volumes em dinheiro no estabelecimento da família Gaspar Lemos – dizimada na chacina.

— O Michelangelo confessou parcialmente, ele disse que foi ao local para praticar um assalto. Alegou que não viu as pessoas serem mortas. E o Ivan detalhou mais a prática do crime, chegou a narrar como uma das vítimas foi morta, pois ele viu. A acusação ficou satisfeita com as provas — expõe o promotor Lima.

Um fato que chamou a atenção do promotor foi que Ivan, apesar de dizer que viu uma pessoa ser assassinada, não quis revelar quem teria sido o autor do estrangulamento da última vítima, Ricardo Lora, de 39 anos. O réu argumentou que como está preso na mesma unidade que Neto e Michelangelo – e os dois o assistiam e ouviam falar na audiência – preferia não dizer o nome do autor de pelo menos um dos assassinatos.

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— De certa forma a versão do Ivan se contrapõe um pouco a do Michelangelo, porque eu perguntei se o Michelangelo tinha saído do hotel e quantas vezes, e o Ivan disse que ele só saiu uma vez para buscar gasolina e voltou. Já o Michelangelo repetiu várias vezes que não viu as vítimas serem mortas, e disse que não entrou no hotel para deixar a gasolina, mas que a teria largado na frente do hotel. O que é uma versão totalmente inverossímil — aponta o promotor Lima.

Justiça abre prazo de alegações finais

Ao final da audiência, a Justiça abriu prazo de cinco dias para alegações finais do Ministério Público de Santa Catarina. Os advogados de Neto e Michelangelo também têm cinco dias para apresentarem as alegações – o prazo é corrido, ou seja, também contam domingos e feriados. Já a defesa de Ivan, feita pela Defensoria Pública catarinense, tem prazo de 10 dias.

Após todas as partes entregarem suas alegações finais, o juízo da Vara do Crime Organizado da Capital vai fazer a sentença de pronúncia, quando decidirá se os réus serão julgados pelo Tribunal do Júri em julgamento popular.

O que dizem as defesas dos acusados

O advogado Jackson José Schneider Seilonski, que representa o réu Francisco José da Silva Neto, afirma que o réu Michelangelo "só acusa ao invés de se defender". Sobre o depoimento de Ivan, ele diz que foi mais fiel "sobre o que de fato aconteceu". Em relação ao silêncio de seu cliente, Seilonski afirma que Neto se manifestou na fase de inquérito e pode vir a falar após a sentença de pronúncia, quando os acusados podem sentar no banco dos réus.

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— Agora, vamos aguardar as alegações finais, tenho cinco dias, mas ainda é preciso aguardar umas cartas precatórias da defesa do Michelangelo.

O advogado Marcos Aurélio de Melo, que defende Michelangelo Alves Lopes, afirma que o depoimento de seu cliente e de Ivan convergiram. Sustenta que Michelangelo só foi ao hotel para roubar, se deparou com pessoas que não imaginava, e que antes de anoitecer, após Neto dizer que uma das vítimas o reconheceu, ele foi embora do hotel.

— O Ivan não viu o Michelangelo deixar a gasolina do lado de fora porque ele estava do lado de dentro cuidado de uma vítima que estava amarrada.

A reportagem não conseguiu falar nesta sexta-feira com a defensora pública Fernanda Mambrini Rudolfo, que representa o réu Ivan Barbosa.

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Relembre o caso

Cinco pessoas foram assassinadas dentro do apart-hotel Venice Beach, na rua Doutor José Bahia Bittencourt, há 100 metros do mar de Canasvieiras, quase a meia-noite de 5 de julho. O caso veio à tona nas primeiras horas do dia seguinte.

Foram mortos por asfixia Paulo Gaspar Lemos, 77 anos, Paulo Gaspar Lemos Junior, 51, Kátia Gaspar Lemos, 50, Leandro Gaspar Lemos, 44, e Ricardo Lora, 39 anos.

Segundo a polícia, os assassinos, três homens que entraram no hotel por volta de 16h permaneceram no local até perto da meia-noite, depois de submeterem as vítimas a intensa tortura psicológica.