Oleiro é aquele que cria, molda e dá forma ao barro. Nas mãos de quem domina a profissão antiga, terra molhada pode virar vaso. O capítulo 18 do livro bíblico de Jeremias dá outra dimensão à ação na voz de Deus: “como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel.”
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Damásio Alexandre da Silva, 33, comprova o ensinamento. Ele é ao mesmo tempo criador e criatura, oleiro e barro. Chegou ao Centro de Recuperação Casa do Oleiro, entidade beneficente que presta apoio gratuito a pacientes voluntários no tratamento da dependência química, em Ratones, Florianópolis, em uma manhã de inverno há sete meses.
Na comunidade terapêutica situada no norte da Ilha de SC, ouviu as normas do acolhimento, almoçou no refeitório e foi descansar. Antes disso, fumou os últimos cinco cigarros dos últimos 210 dias. Também deixou de lado o álcool, a maconha e o crack. Está “limpo” desde então.
– Eu simplesmente não senti mais vontade. Não sofri de abstinência. Tem coisas que só Deus explica – diz, emocionado.
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Ele foi o construtor responsável pelas reformas recentes do espaço, que inclui um banheiro com acessibilidade. E já trabalhava na construção civil antes de ser temporariamente vencido pelas drogas.
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Aprendizado pelo trabalho
Três fatores contribuem para a reabilitação de Damásio, que deve sair em dois meses, e de outros 28 acolhidos que vivem no espaço mantido pela Igreja Castelo Forte há cinco anos com doações e ajudas pontuais do Poder Público. Fé, atendimento humanizado, e aprendizado por meio do trabalho, já que a comunidade é subsistente, ou seja, come o que planta.
– A pessoa tem que querer estar aqui, querer mudar de vida. Nós auxiliamos nesse processo, que é longo, mas tende a ser duradouro se o desejo dela for forte – explica o vice-presidente da Casa do Oleiro, o pastor José Guimarães Júnior, 42, que já viu cerca de 300 ex-dependentes químicos passarem pelo espaço, onde permanecem por cerca de nove meses.
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Damásio ajudando na ampliação da Casa do Oleiro. Foto: Betina Humeres/Agência RBS
Marcenaria surge como profissão
Entre as atividades em grupo, acompanhamento psicológico e médico, Damásio também garantiu a construção de uma marcenaria completa na Casa do Oleiro. Os recursos de R$ 112,8 mil foram angariados graças à ajuda de acadêmicos do curso de Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), por meio do projeto Abrindo Portas. Todos se envolveram para ultrapassar a meta, que era de R$ 80 mil.
– A intenção é que a oficina gere renda para a instituição e ajude na reintegração das pessoas em tratamento no mercado de trabalho – confirma a gerente geral do projeto e acadêmica Manuella Santos Silva que, junto de professores e alunos, escolheram o espaço por acreditarem na de superação de cada um dos acolhidos.
Israel Ferreira Vargas, 42, é um dos que está aprendendo as técnicas no manuseio da madeira. Quando sair, daqui a seis meses, espera abrir suas próprias portas.
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– Estou gostando muito. E aprendendo bastante também. Já penso em trabalhar com isso quando sair daqui. Se Deus quiser, vai dar tudo certo – diz.
O supervisor de marcenaria e ex-acolhido, José Carlos Silva dos Campos, 38, confirma a dedicação do aluno.
– Em duas semanas, ele já aprendeu a fazer o acabamento de móveis. Tem gente que fica um ano tentando e não consegue. Com esse trabalho, ele consegue bem fácil ganhar pelo menos R$ 1,5 mil por mês – arrisca enquanto guia os talhos de Israel com o orgulho de estar ajudando pessoas na reconstrução de seus futuros.
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Superação
Dos cigarros de maconha fumados no intervalo da aula de futsal, que praticava aos 11 anos, Márcio Antônio de Córdova evoluiu para o consumo de drogas mais pesadas. Cocaína, êxtase, LSD, heroína, ele enumera. Com grandes quantidades de substâncias ilícitas dentro de casa, começou a traficar – e envolveu até a esposa nos negócios.
– Amigos me mostraram outras drogas, mas isso começa dentro de casa, quando eu via minha mãe fumar. Querendo ou não, filhos olham os pais como exemplos – reflete Márcio.
Certo dia, guiado pela Bíblia, ele resolveu que não queria mais aquele tipo de vida. Se sentia ameaçado, cansado e irritado diariamente. Foi aí que conheceu a Casa do Oleiro por meio de um pastor.
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– Fiquei um ano e sete meses em reabilitação. A sociedade diz que não tem cura, mas eu estou aqui – comprova. Hoje ele ajuda nas funções administrativas da comunidade terapêutica.
Números
– Existem mais de 125 mil dependentes de substâncias ilícitas em Santa Catarina, segundo pesquisa da Assembleia Legislativa em 2012;
– Há apenas 140 comunidades terapêuticas para atender a demanda;
– Somente para o álcool, o índice internacional de recuperação é de apenas 20%;
– A Casa do Oleiro tem capacidade de abrigar 32 homens, mas após o fim da reforma esse número pode chegar a 50;
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– Os acolhidos em comunidades terapêuticas ficam, em média, nove meses no espaço.
Contatos
A Casa do Oleiro fica na Servidão Manoel Amaro Nunes Pinheiro, 727, Ratones, em Florianópolis, e atende gratuitamente dependentes químicos em situação de rua. O contato é (48) 3369-9875.