Um ano e seis meses se passaram desde que *Luiza, 25 anos, afirma ter sido vítima de estupro coletivo. O crime, conta ela, aconteceu na madrugada de 4 novembro de 2019, após um show do pagodeiro Dilsinho em Chapecó, no Oeste de SC. Dois integrantes da equipe do cantor foram indiciados. O inquérito foi concluído 11 meses depois sem que os suspeitos fossem localizados e ouvidos. O Ministério Público apresentou denúncia contra os suspeitos.

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O Diário Catarinense conversou com a vítima e sua identificação está sendo resguardada. Ao longo do texto para se referir a ela foi usado o nome fictício de Luiza.

No dia do suposto estupro, a jovem procurou atendimento médico e foi realizdo o protocolo da Lei do Minuto Seguinte — série de atendimentos voltados a vítimas de violência sexual. Laudos médicos, perícia e alguns depoimentos foram considerados conclusivos para o indiciamento do iluminador André Luiz Bezerra e do músico Paulo Roberto Xavier Goulart Junior por estupro de vulnerável. O cantor Dilsinho não aparece entre os denunciados pelo Ministério Público de Santa Catarina. O nome do cantor também não é citado no inquérito policial como um dos suspeitos.

Luiza conta que trabalhou na divulgação do primeiro show de Dilsinho em Chapecó naquele ano. Conforme seu relato, ela e duas amigas foram convidadas depois da primeira apresentação do músico para irem ao camarim. No local, além do cantor, estavam membros da equipe e outras mulheres, disse a jovem.

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Naquela noite, Luiza lembra que bebeu uísque. No camarim dos artistas, ela bebeu novamente. Em algum momento, segundo ela, seu copo foi levado por André Luiz Bezerra para ser servido. Depois de ingerir a bebida trazida por ele, a jovem diz que não lembra de mais nada a não ser flashes:

— A gente estava ali curtindo quando veio André e perguntou se eu queria mais bebida. Ele perguntou só para mim e não ofereceu para as outras meninas. Eu disse que sim. Ele fez um gesto para entregar o copo e eu entreguei. Aí ele foi fazer a bebida e voltou. Depois daquele copo eu não lembro de mais nada.

A próxima imagem que vem à cabeça dela é a de um quarto de hotel com André, onde os dois mantinham relações sexuais. Ela lembra de outro homem também que a obrigava a fazer sexo oral. Ele seria Paulo Roberto Xavier Goulart Junior.

Luiza passou mal e vomitou no quarto do hotel. Ela conta que após gritar para os homens parassem de estuprá-la, uma pessoa abriu a porta do quarto e pediu o fim do ato. 

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Na época, a polícia ouviu as duas amigas que acompanhavam Luiza naquela noite. Segundo depoimentos prestados por elas, o grupo foi a um hotel no Centro de Chapecó depois de sair do camarim. Ainda de acordo com os depoimentos das amigas, André as procurou no hotel para auxiliar Luiza dizendo que a jovem estava passando mal.

Imagens das câmeras de segurança mostram chegada de Luiza e das amigas no hotel
Imagens das câmeras de segurança mostram chegada de Luiza e das amigas no hotel (Foto: Reprodução)

Imagens da câmera de segurança do hotel foram analisadas pela polícia e adicionadas ao inquérito. Nas fotos é possível ver o grupo chegando ao local. Segundo análise das imagens adicionada ao inquérito, Luiza subiu no elevador sem auxílio de ninguém e acompanhada das amigas.

As jovens contaram à polícia que encontraram Luiza sem roupas num quarto. Segundo os depoimentos que prestaram à polícia, André Luiz Bezerra estava vestido no momento em que as duas chegaram ao local. No relatório final do indiciamento, o nome de Paulo não aparece entre as pessoas que estavam no cômodo neste momento.

O indiciamento dele aconteceu mesmo assim baseado no relato de Luiza. No relatório do inquérito, o delegado Estevão Diniz pontua que “a imputação do crime de contra a dignidade sexual tem como principal fundamento, no caso, as próprias declarações da suposta vítima que já foram colhidas”.

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As três deixaram o hotel na sequência. As câmeras de segurança também registraram esse momento. Nas imagens, Luiza aparece vestida apenas com a camiseta de um time de futebol. A roupa é diferente da usada na entrada dela no local.

Onze meses de inquérito

O inquérito para apurar o estupro foi instarurado pela polícia oito dias após o caso. Além de Luiza, prestaram depoimentos as duas amigas que estavam com ela no show, os pais e um ex-namorado da jovem. Nenhum dos acusados, nem mesmo membros da equipe Dilsinho, prestaram esclarecimentos.

O ex-namorado de Luiza se apresentou no mesmo evento que o cantor de pagode. Ele contou em depoimento que Luiza ligou para ele no início da madrugada dizendo que tinha sido drogada e que estava machucada.

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Além dos depoimentos, foram juntados ao inquérito laudos de exames toxicológicos e periciais. Um dos laudos diz que Luiza não apresentava lesões corporais externas. O resultado é contestado pela jovem e por seu advogado, Marco Aurélio Marcucci.

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Imagens feitas por Luiza, no dia seguinte ao crime, mostram ferimentos semelhantes a batidas espalhadas por suas pernas.

Outro ponto questionado pela defesa é a ausência do interrogatório dos suspeitos e a forma como eles foram procurados durante a investigação pela polícia.

— Em um ano e seis meses eles [equipe do cantor] sequer foram ouvidos. Nem os dois indiciados pela polícia. Apesar de todos os erros da polícia, eles indicaram os dois. O Dilsinho não foi ouvido por que eles [a polícia], resolveram mandar mensagem para rede social do Dilsinho e ele nunca respondeu — comenta o advogado.

Ministério Público denunciou os dois homens pelo crime
Ministério Público denunciou os dois homens pelo crime (Foto: Reprodução)

No inquérito, consta que no dia 23 de julho de 2020, oito meses após o crime, a polícia buscou pelo nome dos suspeitos e de outros dois membros da equipe de Dilsinho no Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp).

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No dia 3 de setembro de 2020 foi enviado um e-mail para a Polícia Civil do Rio de Janeiro no qual eram solicitados endereços e telefones dos indiciados e dos dois outros membros da equipe. A resposta só veio oito dias depois, mas ninguém foi localizado pelos contatos compartilhados.

O delegado Estevão Vieira Diniz Pinto, responsável pela investigação, solicitou no dia 15 de setembro de 2020 que os depoimentos dos membros da equipe fossem feitos por videoconferência. Isso também não aconteceu.

— Nós não conseguimos localizá-los nem entrar em contato com eles. Chegamos a pesquisar endereços em diversos bancos de dados, tentamos contato pelas redes sociais e pelos telefones fornecidos por eles em diversos bancos de dados. Tentamos contato com a assessoria de imprensa do Dilsinho e também tentamos a localização com apoio da Polícia Civil do Rio de Janeiro, mas ainda sim não foi possível entrar em contato — contou o delegado Estevão.

Ele justifica que, sem localizar os endereços, não foi possível marcar interrogatório nem mesmo por carta precatória, que seria a ação padrão nesse tipo de situação. O delegado ressaltou que não houve demora na conclusão do caso pela complexidade na apuração.

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No Instagram, a última postagem de Paulo Roberto Xavier Goulart Junior foi feita no dia 8 de abril. Em várias publicações desde novembro de 2019, ele marcou o endereço de onde esteve. A conta de André na rede social é privada.

O inquérito foi concluído no dia 23 de outubro e pediu o indiciamento dos dois homens por estupro de vulnerável. O Ministério Público considerou as apurações do inquérito suficientes para apresentar denúncia contra os dois pelo crime. Segundo o MPSC, os suspeitos devem ser interrogados na ação penal. O processo está sob segredo de Justiça.

Análise pericial

A perícia encontrou lidocaína em amostras de sangue e urina de Luiza. O medicamento tem efeito anestésico e, segundo um dos peritos que analisou o material, teria de ser usado em superdosagem para provocar perda de consciência.

Laudo encontrou lidocaína no sangue e na urina de Luiza
Laudo encontrou lidocaína no sangue e na urina de Luiza (Foto: Reprodução)

A concentração da droga no organismo da jovem não foi apontada pelo Instituto Geral de Perícias (IGP), que disse não fazer esse tipo de análise para esse fármaco. Em uma perícia complementar, foi apontado que a substância poderia estar presente em preservativos e assim ter sido absorvida pelas mucosas da jovem.

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Em outro laudo, também anexado ao inquérito, é dito que em associação com o álcool a lidocaína poderia causar efeitos depressores — fazendo com que a pessoa fique com o raciocínio mais lento ou desligada.

“Pesadelo nunca acaba”

A vida de Luiza mudou completamente desde o dia 4 de novembro. Depois de chegar em casa, ela contou para a família o que tinha acontecido. Os pais a levaram a um hospital onde a jovem teve que contar a enfermeiros, médicos e depois para a polícia o que aconteceu.

A memória falha daquela noite foi reconstituída por meio de um diário que ela escreveu. Ali ela narra o atendimento vexatório que recebeu no hospital e também nos dias seguintes ao crime, quando tentou retornar sem sucesso à sua rotina. Toda vez que relata algo que lembrou, faz questão de colocar em negrito “eu contei”.

Atualmente Luiza não mora mais em Chapecó. Ela deixou o trabalho e o curso universitário que fazia para conseguir se desligar das duras memórias. A jovem conta que até hoje faz tratamento psicológico e toma remédios.

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— Para eles foram só algumas horas e para mim esse pesadelo nunca acaba — conta.

Contraponto

A defesa de André Luiz Bezerra e de Paulo Roberto Xavier Goulart não foi localizada. A reportagem mandou mensagem para Paulo por meio de seu instagram no dia 20 de maio e não foi respondida.

Também não foi possível contato com os dois denunciados por meio dos números que constam como sendo deles no inquérito policial. As ligações foram feitas nos dias 17, 18, 19 e 20 de maio.

A reportagem entrou em contato com a equipe do cantor Dilsinho no dia 19 de maio por meio do e-mail da assessoria de imprensa do cantor. Não houve retorno até o fechamento da reportagem.

Mensagens foram enviadas também para as contas do cantor no Instagram e do Facebook O mesmo foi feito nas páginas das duas redes sociais da agência que faz sua assessoria. As mensagens foram encaminhadas nos dias 19 e 20 de maio. Não houve retorno.

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