Do agreste pernambucano para as águas frias do Sul catarinense. Assim é a trajetória de Maria Aparecida Mendes da Silva, a Cida, 59 anos, pescadora artesanal profissional. Cida morou 23 anos no Farol de Santa Marta, em Laguna, onde participava ativamente das atividades pesqueiras e ambientais. Hoje, ela mergulha as redes nas águas salobras da Lagoa de Santo Antônio. Vez que outra, arrisca tarrafear num dos territórios mais concorridos, o canal, onde botos ajudam os pescadores.

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— Aqui é um lugar muito bonito, apesar da disputa pelo espaço. Eu evito conflito e fico um pouco distante, pois tem homem que pode se achar o dono do pedaço — diz.

Foi justamente uma atitude machista que levou Cida a se profissionalizar. Lá pelos anos 1990 ela resolveu tarrafear dentro do cerco da tainha, o que é permitido pelos pescadores no momento em que a embarcação cerca o peixe na beira da praia. Certo dia, quando isso acontecia, um homem gritou:

— Tu não podes tarrafear. Dentro do lance só tarrafeiam profissionais.

Cida conta que emudeceu. Mas ficou revoltada e decidiu não abrir mão daquilo que havia aprendido a gostar: o convívio na praia.

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— Eu senti que era discriminação, porque havia muitos ali, até crianças pescando — recorda.

Ao ser impedida por um homem de pescar, Cida não se deixou vencer: recorreu ao Ibama e buscou a carteira profissional
Ao ser impedida por um homem de pescar, Cida não se deixou vencer: recorreu ao Ibama e buscou a carteira profissional (Foto: Tiago Ghizoni)

Um tempo depois ela decidiu procurar o Ibama e providenciar a documentação exigida. Mais tarde a situação se repetiu. Ela se preparava para atirar a tarrafa dentro do cerco quando o mesmo homem voltou a dizer que ali era só para profissionais. Cida deu-lhe o troco. Tirou a carteira de pescadora profissional do bolso e respondeu:

Tens razão, aqui é só para profissionais. Dei-lhe um carteiraço.

Encanto, sobrevivência, valentia

Cida explica que foi um problema envolvendo um terreno que a fez morar na praia do Farol de Santa Marta. Lá, conheceu o pescador Jorginho, falecido há pouco tempo, e que a convidou para ajudar a desmalhar.

— Era uma pessoa muito boa e sabedora que eu estava sem grana. Com isso, ganharia uns peixinhos para levar para a casa — recorda.

A proximidade com o mar a encantou. Gostou, pegou jeito e se ofereceu para o desmalho nos botes que chegavam carregados. Porém, a partilha era pouca. Observou, então, o trabalho da estiva — colocação de paus embaixo dos barcos na hora de colocá-los e retirá-los da água. Única mulher na estiva, Cida teve que enfrentar preconceito.

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Sob o olhar dos homens que fazem a pesca com ajuda de botos no Canal da Lagoa de Santo Antônio, em Laguna, Cida joga sua tarrafa naquele que é um dos territórios mais disputados
Sob o olhar dos homens que fazem a pesca com ajuda de botos no Canal da Lagoa de Santo Antônio, em Laguna, Cida joga sua tarrafa naquele que é um dos territórios mais disputados (Foto: Ângela Bastos)

— Eu entrei na pesca com 21, 22 anos. Era o ano de 1982, tempo em que o machismo era bem maior do que hoje — acredita.

Cida manda um recado às mulheres que sentem discriminação na pesca:

Eu digo que não desistam, sejam valentes. A luta não é fácil, mas a gente só perde quando desiste.
A pescadora Cida trabalha em Laguna
A pescadora Cida trabalha em Laguna (Foto: Tiago Ghizoni)

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