Com 25 dos 37 réus condenados até o momento, o julgamento do mensalão deixará reflexos na interpretação das leis e na forma de fazer política no Brasil. Apesar de ser cedo para determinar o impacto das decisões do Supremo Tribunal Federal, juristas acreditam que as punições poderão ter caráter pedagógico para inibir a corrupção em um país desacostumado a ver políticos condenados.
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Doutor em Direito e procurador de Justiça, Lenio Streck vê um “Brasil AM/DM” – antes e depois do mensalão. A análise se baseia no tamanho e complexidade do julgamento, o maior da história do Supremo, mas também na jurisprudência que a Corte vem imprimindo para crimes de corrupção, com provável efeito na primeira e segunda instâncias.
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No caso da corrupção passiva, o STF deixou de exigir a comprovação do ato de ofício, ou seja, a atitude que o servidor comete em troca de uma vantagem indevida – no caso do mensalão, o ato de votar a favor do governo após suborno. O ato de ofício consiste no grupo de atividades que o servidor realiza pela natureza da sua função. Os ministros entenderam que o simples fato de o servidor receber pagamento indevido já o incrimina, mesmo que a ação ou omissão ainda não tenha ocorrido.
– É uma posição correta. Um dos atos de ofício do servidor é ser ético e moral – diz Streck.
Outra interpretação inovadora é a teoria do domínio do fato, empregada para condenar José Dirceu. Pela lógica, o autor do crime não é apenas quem executa a ação, mas aquele que, pela posição que ocupa, não poderia negar o conhecimento dos fatos. Na ausência de provas contundentes, o Supremo levou em conta o contexto criado pelas demais provas.
Segundo o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o STF costumava ser conservador ao aplicar este conceito, o que permitia à defesa dos réus levantar argumentos capazes de, pelo menos, deixar os ministros em dúvida sobre a ciência dos réus sobre os crimes – tal interpretação resultou na absolvição do ex-presidente Fernando Collor:
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– É um avanço responsabilizar aquele que tinha o dever de impedir o acontecimento e que estava numa posição institucional que não lhe permite negar o conhecimento do fato.
Lenio Streck, porém, considera perigoso o emprego sem freio do domínio do fato:
– Se a teoria for utilizada sem a exigência do nexo causal, poderemos provar qualquer coisa. Quem vai cuidar dos excessos de rigor praticados nos diversos cantos do país?
Para o professor de Direito da FGV-Rio, Thiago Bottino, o julgamento também terá consequências comportamentais. Ao condenar políticos e banqueiros, a Corte dá um aviso: a democracia precisa ser fundamentada na ética.
Especialistas apontam riscos
O rigor que o STF está aplicando a crimes de corrupção é alvo de ressalvas de criminalistas. Advogados apontam que a Corte vem ignorando garantias constitucionais.
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Os defensores criticam o STF por dar dimensão exagerada às provas obtidas no inquérito policial, em detrimento das colhidas na fase judicial. Outra ressalva remete ao uso de indícios no lugar de provas.
– Em alguns momentos, você condena a partir de um raciocínio. No entanto, algumas condenações são raciocínios sobre indícios, o que é uma renúncia à prova plena – diz Evandro Duarte, professor de Direito da UnB.
Advogado da ré Simone Vasconcelos, Leonardo Yarochewsky vê um exagero no uso de indícios, em especial sobre a teoria do domínio do fato, que acabou punindo Dirceu:
– Ninguém pode ser condenado em razão do cargo ou da posição que ocupa. Independentemente da teoria, é necessário ter provas.
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