Após ler pela primeira vez o livro Belle de Jour, do escritor nascido na Argentina e radicado na França Joseph Kessel (1898-1979), Deborah Colker chorou. A coreógrafa de 53 anos, há 21 dona da companhia de dança que leva seu nome, absorvera o dilema de Séverine – jovem rica e bonita que trai o marido trabalhando como prostituta em um bordel. A partir da trajetória emocionalmente desencontrada da personagem, se deu conta de uma impossibilidade: a convivência do instinto com a razão. O impacto foi tamanho que ela decidiu coreografar e levar o dilema aos palcos na forma do espetáculo Belle, adaptação livre da obra que alcançou notoriedade com o filme A Bela da Tarde, de 1967, dirigido pelo espanhol Luis Buñuel (1900-1983) e estrelado de forma esplendorosa pela atriz francesa Catherine Deneuve. Em entrevista por telefone, a coreógrafa justifica a escolha pelo romance de Kessel, explica como funciona seu processo criativo e analisa o atual momento da dança no país.

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Por que a escolha do romance de Joseph Kessel?

Outro dia, um amigo me falou sobre isso: “É uma atitude corajosa”. Tenho curiosidade sobre as questões do amor, do desejo. Meu primeiro espetáculo se chama Paixão. Penso que a paixão desorganiza as pessoas; o amor organiza. O ser humano sempre teve questões sobre o embate entre o desejo e a razão. No livro, o que mais me toca é que, apesar de tudo, a personagem tem uma cumplicidade com o marido. Até no silêncio dos dois. É uma obra intensa e, a partir desta escolha, quis mostrar essa intensidade.

O espetáculo é recomendado para maiores de 14 anos. Não dá mesmo para levar crianças?

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É um espetáculo de dança elegante e feito com muito bom gosto. Eu levei meu neto de cinco anos, e ele adorou, mas já está acostumado. Precisa ver a maturidade da criança. Por isso meu próximo espetáculo será com personagens de fábulas infantis.

Sério?

Não. É brincadeira. (risos) Ainda não sei como será o meu próximo espetáculo. (risos)

Você trabalha com uma equipe excepcional desde sempre. Gente como Gringo Cardia (direção de arte e cenografia) e Berna Ceppas (trilha sonora e direção musical). De que forma um time tão talentoso colabora com o resultado final das montagens?

Além desses dois que você citou, quero acrescentar o Jorginho de Carvalho (iluminação) e o Samuel Cirnansck (figurino). Eu não chamo meus parceiros só na hora de montar o espetáculo. Neste, foram dois anos e meio de trabalho prévio. Todo mundo leu o livro, se envolveu desde o início. Reuni o pessoal e disse: quero fazer Belle de Jour. Vocês assistiram ao filme? Leram o livro? Todo mundo respondeu: “Uau! É isso aí!”. Me relaciono com cada um individualmente também. É como um chef montando um prato e juntando cada ingrediente até o resultado final.

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Como é viver de dança no Brasil?

Recentemente visitei 12 cidades do país com um projeto do Canal Brasil chamado Destino Dança Brasil (Deborah esteve em Florianópolis e gravou com dois grupos de que gosta muito: Cena 11 e Siedler Cia de Dança). Em cada local eu conversava e procurava perfis diferentes. Há muita reclamação e pouca ação – o panorama da dança está complicado por causa disso. Há os que reclamam com justa causa, mas há também os que só reclamam. E hoje está tudo em um pacote só, com dança conceitual e espetáculos para grandes plateias ocupando o mesmo espaço. Não deve ser assim. Minha companhia ajudou a formar público, mas não faço espetáculo só para agradá-lo. Faço pensando nele. Por outro lado, se você não liga para o público, faça um espetáculo fechado, só para os seus amigos. Às vezes você perde a energia reclamando e não age.

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Foto: Flavio Colker / Divulgação

Figurinos foram criados por Samuel Cirnansck

20 anos de história

Em seu site oficial, Deborah Colker conta que cursou Psicologia, foi jogadora de vôlei e estudou piano durante 10 anos. Na década de 1980 dançou, coreografou e deu aulas no grupo Coringa, no Rio de Janeiro, que foi um dos primeiros dedicados à dança contemporânea no país. Em 1984, quando foi convidada por Dina Sfat para coreografar os movimentos da peça A Irresistível Aventura, deu início à linha de trabalho que viria a consolidar sua carreira nos anos seguintes. Como diretora de movimento, trabalhou com os principais diretores e atores do país em espetáculos como Escola de Bufões, Macbeth, Sonhos de Uma Noite de Verão, A Serpente e Uma Noite na Lua. Já a fundação da Cia de Dança Deborah Colker ocorreu em 1994, estreando com o projeto O Globo em Movimento, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

No ano seguinte, por conta da repercussão do trabalho, a companhia conquistou o patrocínio exclusivo da Petrobras, o que lhe possibilitou ampliar objetivos e se firmar no panorama da dança mundial. Em 20 anos, além do Brasil, o grupo se apresentou em 22 países, conquistando diversos prêmios nacionais e internacionais com as montagens Vulcão (1994), Velox (1995), Mix (1996), Rota (1997), Casa (1999), 4 por 4 (2002), Nó (2005), Dínamo (2006), Cruel (2008) e Tatyana (2011).

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Em 2009 Deborah viveu o grande momento de sua carreira ao criar e dirigir o espetáculo Ovo do Cirque Du Soleil.

Agende-se

O quê: espetáculo Belle, da Cia de Dança Deborah Colker

Quando: hoje e amanhã, às 21h

Onde: Teatro do CIC (Av. Governador Irineu Bornhausen, 5600, Bairro Agronômica, Florianópolis)

Quanto: R$ 120 (inteira), R$ 60 (meia) e R$ 96 (titular do Clube do Assinante). Ingressos à venda nas bilheterias do CIC, TAC e Teatro Pedro Ivo. Online pelo blueticket.com.br

Informações: (48) 3664-2555