Acentuando a tensão em torno do Brexit, a oposição trabalhista acusou, nesta terça-feira (4), o governo britânico de “se negar deliberadamente a cumprir” uma ordem do Parlamento, antes de iniciar cinco dias de um debate inflamado sobre um acordo que parece tender ao fracasso.
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“O Executivo está deliberadamente se negando a cumprir uma ordem vinculante desta câmara”, afirmou o deputado trabalhista Keir Starmer, autor de uma moção de “desacato” que deve ser votada nesta tarde. “Esta moção é extremadamente importante por seu significado constitucional e político”, acrescentou.
Os legisladores tinham exigido em novembro conhecer integralmente os informes legais sobre o acordo do Brexit negociado por Londres com a União Europeia antes da votação crucial de 11 de dezembro – na qual deve ser ratificada a decisão de rejeitar o texto.
Mas, nesta segunda, o procurador-geral Geoffrey Cox apresentou apenas um resumo, alegando que os informes legais são confidenciais.
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Há “informação que pode comprometer a segurança nacional”, reforçou nesta terça a representante do Executivo ante a Câmara dos Comuns, Andrea Leadsom, para defender sua recusa.
O acordo selado pela primeira-ministra britânica Theresa May e os 27 sócios europeus, após 17 meses de duras negociações, prevê um período de transição que poderia ser prolongado até o fim de 2022, período durante o qual o Reino Unido continua submetido às regras europeias, mas sem voz, nem voto.
O acordo também estabelece um sistema denominado “backstop”, ou “rede de segurança”, para evitar instaurar uma fronteira dura entre a província britânica da Irlanda do Norte (Ulster) e a República de Irlanda. Muitos deputados temem que isso mantenha o país ligado a UE e acreditam que isso pode se refletir nos informes legais de Cox.
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– Revogado unilateralmente –
Uma vez resolvida a questão do desacato, o Parlamento deve começar a debater o acordo Brexit, já que faltam menos de quatro meses até a data estabelecida: 29 de março.
“O povo britânico quer avançar com um acordo que homenageia o resultado do referendo” de 2016, em que 52% votaram para sair da UE “e nos permita voltar a nos unir como um país, independentemente do voto de cada um”, planejou dizer May, de acordo com trechos de seu discurso adiantados por Downing Street.
Em um país profundamente dividido, o acordo selado entre Londres e Bruxelas desagrada tanto pró-europeus, que veem piores condições, hoje, como eurocéticos convencidos de que a UE faz concessões inaceitáveis.
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Ele tem, assim, a rejeição do Partido Trabalhista de oposição, dos eurófilos do centrista Partido Liberal-Democrata, dos separatistas escoceses, do pequeno partido norte-irlandês DUP – do qual May depende para governar – e de dezenas de deputados rebeldes do Partido Conservador da primeira-ministra.
Envolvida em uma intensa campanha para convencer a opinião pública de que o acordo é “o único possível”, a chefe de governo advertiu que se o Parlamento enterrá-lo, há um risco de um Brexit sem acordo ou mesmo nenhum Brexit.
O Banco da Inglaterra alertou na semana passada que uma Brexit sem acordo provocaria uma crise econômica de proporções enormes, desencadeando desemprego e inflação, queda da libra e o preço dos imóveis e quase 10% de redução no PIB.
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Diante dessa perspectiva obscura, defensores de permanecer na UE intensificaram a campanha por um segundo referendo que permite voltar atrás: na segunda-feira, deputados conservadores pró-europeus, trabalhistas, liberal-democratas e verdes entregaram ao governo uma petição com mais de 1 milhão de assinaturas.
O advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia considerou na terça-feira que o Reino Unido pode revogar unilateralmente sua decisão de deixar o bloco antes de 29 de março.
Mas ainda é preciso investigar o que o Parlamento decidirá dentro de uma semana. Se acordo for rejeito, como previsto, alguns deputados querem que May volte a negociar com Bruxelas aproveitando a cúpula europeia de 13 e 14 de dezembro – uma opção classificada como impossível por ela e seus parceiros europeus.
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Outros cenários possíveis são uma segunda votação parlamentar sob a pressão dos mercados em pânico, uma moção de censura ao governo ou eleições legislativas antecipadas.
* AFP