Se uma vida pudesse ser simplificada por fases, três momentos contariam a trajetória de Dilma Vana Rousseff. Na juventude, foi a revolucionária que ousou enfrentar a ditadura militar. Quarentona, desempenhou-se como a técnica requisitada por PDT e PT para administrar assuntos intrincados como logística e energia. Em 2010, às vésperas de ser avó, tornou-se a primeira mulher a conquistar a Presidência da República.
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O primeiro ciclo começa aos 18 anos, em Belo Horizonte, quando era uma ativista de esquerda já cascuda, tanto que recebera a missão de selecionar quem poderia entrar para a Organização Revolucionária Marxista de Política Operária (Polop) – um grupo secreto de oposição ao regime militar recém-instalado. Em 1965, abonou a ficha de jovens como Nilmário de Miranda, que veio da pequena Teófilo Otoni para a capital mineira.
– Disseram para falar com a Dilma Rousseff. Ela representava a Polop – conta o ex-ativista Nilmário, hoje com 67 anos, que se tornou deputado federal e secretário nacional de Direitos Humanos
Dilma (em pé) com a família
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Os dois cursavam o secundário (atual Ensino Médio) no Colégio Estadual Central, que depois trocaria de nome. Estavam em turnos diferentes, não se conheciam até então. Embora seja quatro meses mais velho, Nilmário impressionou-se com a precoce articulação ideológica da dirigente.
– Eu vinha de uma cidade do interior, não conhecia cinema, literatura. Ela já tinha formação intelectual ligada ao cineclubismo e à literatura, fazia citações de autores que eu ignorava – lembra Nilmário.
Dilma Rousseff: uma gestora perfeccionista
Os dois voltaram a se encontrar na Faculdade de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Dilma usava o codinome Vanda, para despistar os espiões que se infiltravam no campus a serviço do aparato de repressão. Nilmário notava que ela estava quase ao nível de militantes veteranos, como Carlos Alberto Soares de Freitas, o Breno, um dos fundadores da Polop.
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Dilma não era de ficar apenas nos discursos. Em abril de 1968, liderou protestos na UFMG contra a prisão de colegas que apoiaram uma greve de operários, em Contagem. Um dos detidos era Nilmário, que distribuía panfletos nos portões da fábrica. O episódio preocupou o regime militar, que enviou o ministro Jarbas Passarinho para controlar a situação.
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No final dos conturbados anos 1960, Dilma encontrou o amor, o advogado gaúcho Carlos Franklin Paixão de Araújo, o Max. Trocaram os primeiros olhares num encontro clandestino que ocorreu no Rio de Janeiro. Araújo representava um grupo identificado apenas como “O.” (de Organização), baseado em Porto Alegre e dedicado a arregimentar trabalhadores contra a ditadura.
Dilma em interrogatório à Justiça Militar, em 1970
No segundo dia de reuniões, Max e Vanda já estavam enamorados. Paixão fulminante, conforme reproduziria Araújo anos mais tarde, Dilma chamou o marido, Cláudio Galeno Linhares, e avisou:
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– Eu vou me separar, eu vou viver com o Max.
O compositor e ex-prisioneiro político Raul Ellwanger integrou a O., depois ingressou com Dilma e Araújo num dos mais extremados grupos de esquerda, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Ellwanger admirava-se com o ardor dela, de como debatia em igualdade de condições com os líderes, embora fosse mais nova.
– Era severa e muito estruturada nas opiniões, uma polemista diligente, queria era ganhar a discussão – recorda Ellwanger, 66 anos.
A mineira indomável e apaixonada, no entanto, não seguia o figurino de beleza da época. Tinha a cabeleira volumosa e desgrenhada, não se importava com maquiagem e roupas.
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– Não cuidava do aspecto pessoal e fumava pelos cotovelos – relata Ellwanger.
A organização de Araújo e Dilma promoveu uma das mais estrondosas ações guerrilheiras: o roubo do cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, cujo dinheiro seria oriundo de propinas do jogo do bicho. Foram subtraídos US$ 2,2 milhões
(R$ 5,5 milhões pela cotação atual), usados para amparar militantes exilados e financiar a própria guerrilha.
Entre 1970 e 1973, quando a ditadura exterminava as facções guerrilheiras, o casal esteve no cárcere, em São Paulo, e depois no Rio de Janeiro. Separados e sendo interrogados sob tortura, conseguiram se abraçar somente durante uma audiência na Justiça Militar, como réus, acusados de terrorismo. Foi nesse instante que lentes captaram a imagem de uma mocinha altiva, rosto destemido, enquanto depunha aos juízes militares. Em agosto de 1973, Araújo foi removido para Porto Alegre, onde passou a receber visitas diárias dos pais. Libertada, Dilma ficou algum tempo com a família, em Minas Gerais, mas logo se mudou para a casa dos sogros, na Vila Assunção, junto ao Guaíba. Os dois tiveram uma filha, Paula, separaram-se nos anos 1990, mas a amizade prosseguiu inabalável. Hoje, encontram-se nas passagens de Dilma pelo Rio Grande do Sul.
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Com o marido Carlos Araújo, a filha, Paula, e Leandro (filho de Araújo), em 1992
A segunda fase de Dilma se inicia no final dos anos 1970. Foi Araújo quem a apresentou ao trabalhista Leonel Brizola, recém-vindo do exílio. Ela se filiou ao PDT, onde despontou em cargos de gestão. Quando prefeito de Porto Alegre e governador do Estado, Alceu Collares a convocou para comandar as secretarias da Fazenda e de Energia e Minas.
– Teve um desempenho magnífico, pela determinação, pelos companheiros que escolheu e pela seriedade na execução da coisa pública – elogia o pedetista, 87 anos.
O plano de governo do então prefeito foi elaborado na casa de Araújo e Dilma, em reuniões que se prolongavam pela madrugada. Vencida a eleição, Collares intimou:
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– Isso (projeto) foi vocês que fizeram, agora vão ter que realizar.
Entusiasmados com Dilma, os trabalhistas a convidaram para concorrer à Assembleia ou à Câmara Federal. Mas ela recusava com um argumento que só mudaria 20 anos depois, segundo Collares.
– Não, eu sou técnica. Político é o Carlos Araújo, que sabe fazer votos.
Elogiada por Lula como a mulher que “faz as coisas andarem”
A capacidade como executiva a credenciou para retornar à pasta de Energia e Minas, desta vez no governo Olívio Dutra (PT). Ao trocar o PDT pelo PT, numa opção definida como traição por Brizola, caiu nas graças de Luiz Inácio Lula da Silva como a mulher que “faz as coisas andarem.”
De ministra de Minas e Energia que evitou o risco de um apagão elétrico no país, foi escolhida para chefiar a Casa Civil, o coração do poder, sucedendo ao polêmico José Dirceu, cassado pelo Mensalão.
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Quem conviveu com Dilma nos ministérios é Paulo de Tarso Carneiro, ex-VAR-Palmares e um dos fundadores do PT. Responsável pelo setor portuário, testemunhou o raciocínio ágil e o didatismo assertivo dela nas reuniões sobre infraestrutura e transportes.
– Enquanto as pessoas discutiam taxas e custos, ela fazia o cálculo de cabeça – narra Paulo de Tarso, 72 anos.
Dilma quando ocupava o cargo de ministra de Minas e Energia, em 2003
O descortino de tocar vários projetos em paralelo espantou Paulo de Tarso, que também experimentou o tal ritmo de trabalho de Dilma. Certa vez, os dois se encontraram numa locadora de vídeos, em Brasília, no final de semana. Conversaram sobre filmes, e Dilma lhe ofereceu uma carona. No trajeto, perguntou sobre como estavam os projetos de hidrovias e hidrelétricas.
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– Ela não tem horário para trabalhar. E é dura com erros – aponta Paulo de Tarso.
Nem todos aprovam o estilo, porém. Assessores se desligaram, contrariados com as broncas humilhantes. É sabido que alguns choraram em reuniões, atropelados pelo autoritarismo de Dilma.
Em 2007, ao completar 60 anos, é lançado o terceiro estágio na vida de Dilma Rousseff. A técnica dos terninhos alinhados começa a ceder espaço à política. Foi guiada por Lula, que apadrinhou a candidatura à Presidência da República com uma sugestão que define a metamorfose:
– Dilma, você precisa perder a cara de escritório.
A tiracolo de Lula, virou a primeira mulher presidente do Brasil. Na atual eleição, mais traquejada e com as cicatrizes do cargo, irradia luz própria. Caso vença o adversário Aécio Neves (PSDB), neste domingo, qual será a Dilma que governará os brasileiros pela segunda vez?
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Difícil responder. Prestes a completar 67 anos, é certo que mantém as características de gestora técnica: exige comprometimento dos assessores, cobra resultados. A dúvida é se abrandará o jeito casmurro de ser.
* Zero Hora