A sintonia e o bom humor que existem na relação de João Fachini, 67 anos, e Justina Rosa Costa Fachini, 61 anos, é percebida em pouco tempo de conversa com o casal. O amor entre eles começou há quase 30 anos e de forma repentina.

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De uma família italiana bem religiosa e humilde do Alto Vale catarinense, João entrou para o seminário ainda criança, aos dez anos, e integrava a uma ordem franciscana bem rígida, os Capuchinhos. Em 1960, as histórias e ideologias das revoluções que aconteciam pelo mundo influenciaram sua juventude e, em 1968, ele decidiu abandonar a ordem. Foi estudar teologia no exterior e, em 1973, recebeu a ordenação para exercer o sacerdócio. Em agosto daquele ano, retornou para o Brasil e foi trabalhar na mesma diocese do irmão, o padre Luiz Fachini, em Joinville.

Foi assim que seu caminho se cruzou com o de Justina, que trabalhava como secretária diocesana.

– O dom Gregório, bispo naquela época, tinha comprado um carro novo e me deu o Fusca dele porque eu precisava percorrer as paróquias da diocese. Como eu não possuía carteira de motorista e o João também precisaria do carro para fazer as vocações sacerdotais, dom Gregório sugeriu que usássemos o mesmo carro -, relembra.

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A empatia entre eles não foi imediata. O primogênito do casal, Rodrigo Fachini, que acompanhava atentamente a história contada pelos pais, pede para a mãe revelar qual foi a primeira impressão que teve de João.

– Ele chegou da Suíça com sandálias franciscanas, com meia de lã colorida e uma calça jeans curta. Ia na minha sala todo dia e falava ‘bom dia, minha querida’, com aquele sotaque que misturava o francês e o italiano. Eu pensava ‘que homem ridículo’-, conta Justina, arrancando risos de toda a família.

Até que um dia, durante uma viagem com o famigerado Fusca para uma das comunidades, ao perceber a tristeza e a preocupação de Justina por causa de uma irmã que estava doente, ele segurou em sua mão para demonstrar apoio. A partir dali, a amizade que tinham começou a transformar-se em amor. Começaram um relacionamento e, um tempo depois, Justina descobriu que estava grávida. Imediatamente, João solicitou o afastamento ao bispo porque, segundo ele, não pretendia viver uma vida dupla.

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– Nunca aceitei faz de conta -, enfatiza.

– É que você estava apaixonado mesmo -, brinca Justina.

– Com certeza, estava apaixonado-, emenda João.

Justina garante que não sentiu remorso ou culpa durante o relacionamento e que nunca achou que o celibato deveria ser tratado como uma obrigação.

O marido concorda e usa argumentos históricos para justificar sua opinião: – Presume-se que os primeiros padres escolhidos por Jesus, como Pedro e outros apóstolos, eram casados. Além disso, o casamento não era incompatível com o sacerdócio até 1090 depois de Cristo, então, durante mil anos o catolicismo conviveu com padres casados.

Ele também não enfrentou julgamentos da família. O irmão mais velho era padre e havia deixado o sacerdócio alguns anos antes. João conta que, quando soube, a mãe lhe disse que o importante era ser um bom cristão, e o pai lamentou o fato de padres casados não poderem celebrar.

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Após o afastamento, João conseguiu um emprego em Florianópolis como diretor de uma casa de menores infratores e os dois mudaram-se para a capital catarinense. Primeiro, moraram com o pai de João e, depois, com um dos irmãos dele.

– Naquela época, eu tinha um enxoval, mas o João não tinha nada, só o Fusca -, relembra Justina, arrancando risos do marido.

Quando marcaram a data do casamento, para 15 de novembro de 1977, João escreveu uma carta ao sogro pedindo a mão de Justina, já que ele ainda não conhecia a família da futura esposa pessoalmente. Justina revela que o pai ficou tão emocionado com a notícia, que guardou a carta por muitos anos. Ela mostra também um apanhado de folhas. São cartas que João escrevia no tempo de namoro e guardadas com muito cuidado e carinho até hoje.

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– Essa é de agosto de 1977… ‘Cara nega, contei do nosso futuro casamento ao pai e à mãe. Acharam extraordinário pelo que pude notar. Esses são meus velhinhos joias’ -, lê em voz alta.

Em janeiro de 1978, nasceu o primogênito do casal. Nos anos seguintes, tiveram mais três filhos: no total dois homens e duas mulheres – uma delas, Maíra, faleceu há três anos e a morte da jovem motivou a mudança de Joinville para um agradável sítio em Balneário Barra do Sul, onde, aposentados, vivem cuidando de um belo jardim, hortas, lago com peixes e alguns animais.

Rodrigo, o primeiro filho do casal, diz que um dos aspectos mais marcantes da história dos pais é que eles não foram embora, não se isolaram das pessoas conhecidas. Quando ele tinha apenas 40 dias, a família voltou a morar do lado da igreja na qual o pai trabalhava e, depois de afastado, ele e a mulher sempre participaram ativamente das atividades da paróquia.

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Além da participação em grupos religiosos, João também foi envolvido em movimentos sociais, e o engajamento o levou para o mundo da política, foi vereador de Joinville, secretário do município e secretário do Estado.

– Minha avaliação e dos meus irmãos é de que o mais forte nessa história toda é exatamente essa volta. Eles foram morar na comunidade onde o tio Luís continuava como padre e esse convívio ajudou bastante. Fomos criados como sobrinhos de todo mundo. Na minha opinião, foi um ato de muita coragem -, ressalta Rodrigo, que até hoje mora no mesmo bairro onde foi criado e frequenta a mesma paróquia.

– Eu não larguei minha fé, não me decepcionei com a Igreja, eu apenas me casei -, completa João.

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