O telefone tocou e, do outro lado da linha, o anúncio de que o entrevistado daquela manhã estava à espera na recepção, pontualmente às 11h de uma sexta-feira chuvosa. Mas o telefonema foi mera formalidade, porque mesmo com os dois lances de escadas que dividem o primeiro do segundo andar no prédio do Jornal de Santa Catarina já era possível identificar o som do riso que ecoava no hall. Sem cerimônia, o convidado já foi caminhando em direção à redação. É com o polegar a postos que Napoleão Bernardes cumprimenta cada uma das 10 pessoas que ali estavam. Os mais chegados dizem que ele não percebe, mas o ¿joinha¿ já é uma marca registrada do atual prefeito — eleito em 2012, um mês depois de completar 30 anos — e candidato à reeleição pelo PSDB em Blumenau.

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Já na sala reservada à entrevista, serve-se de um cafezinho preto e puro e, antes do primeiro gole, se oferece para encher as xícaras também da assessora e dos dois repórteres com quem divide a sala. Na próxima hora, os goles de café puro seriam intercalados com os de água mineral. O corpo esguio e os ombros largos e retos o fazem parecer mais alto do que o 1m88cm. Os cabelos curtos, bem penteados em um topete, mostram uma mecha grisalha, que sem querer denuncia que os últimos quatro anos foram desafiadores.

No Executivo municipal, um colapso no transporte público coletivo, que parou a cidade por mais de uma semana em 2015, encheu a cabeça do prefeito de preocupações. Fora do gabinete, no ano anterior, em janeiro de 2014, foi a morte do irmão, Caio, em um acidente de carro na BR-470, que atingiu Napoleão .

— Fui abraçá-lo e ele disse ¿não chora, ele está bem, e a gente tem que agradecer o privilégio de ter convivido com ele¿. Vi todo mundo desesperado e o Napo consolando as pessoas — lembra Cinthia Canziani, amiga da família e hoje apresentadora dos programas de campanha à reeleição.

Acostumado a ver o sorriso estampado no rosto do amigo de longa data, o jornalista Fabrício Wolff, que trabalha ao lado de Napoleão na prefeitura, diz que nunca o viu abatido como naquela terça-feira, há pouco menos de dois anos. A garra para terminar aquele dia e seguir os que estavam por vir veio da necessidade de amparar a mãe, Maria Célia.

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Orações todos os dias e refeições ao lado da esposa

A força extra que Napoleão teve em 2014 se deve a um dos únicos rituais cumpridos pelo político: as orações. Ele mesmo define como momentos pessoais as preces feitas sempre no início e no fim do dia. Nas conversas que o jovem prefeito, hoje com 34 anos, tem com Deus estão agradecimentos e pedidos de iluminação para a hora de tomar decisões, de proteção e de sabedoria. Questionado se, de alguma maneira, ele se sente de fato agraciado pela divindade, Napoleão afirma que o ritual ajuda a passar pelos dias difíceis com mais leveza.

Outro costume mantido religiosamente é o de tomar café da manhã e jantar ao lado da esposa, Maria Augusta. Mesmo que os horários sejam ingratos na correria rotineira agravada pela campanha. Se o compromisso exige que ele esteja de pé às 5h30min, ela acordará também. Se a agenda o prende na rua até as 22h30min, Guta o espera para a ceia. O mesmo acontece se ela, médica radiologista especialista no diagnóstico precoce de câncer de mama, precisa acordar antes dele.

Os dois são parecidos, mas a timidez que ele camufla com o sorriso e as palavras firmes, ela entrega ao falar manso, olhando para as mãos e deixando escapar risos contidos. Cada vez que fala do marido, é como se Guta estivesse revelando um segredo.Dividir refeições é uma constante na rotina do casal. O primeiro encontro foi um jantar, em 2010 _ que, por conta da timidez, só aconteceu por meio de amigos em comum, ainda que os dois se conhecessem desde a época do colégio. A partir de então, Napoleão tem Guta ao seu lado.

O namoro engatou no mesmo ano da campanha que lhe deu a suplência de deputado federal. Foi no meio da agenda atribulada, principalmente nos fins de semana, que o casal construiu o hábito de estar junto à mesa.

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— Guta foi para a cozinha — conta o prefeito, caindo na gargalhada em seguida e explicando que foi a partir daí que a culinária se transformou em um hobby para esposa e o risoto de linguiça Blumenau, primeira receita testada, o prato favorito dos dois.

O desafio da timidez e a fama de ¿mão de vaca¿

A timidez que aparece na história de Napoleão com Guta é uma constante no dia a dia do prefeito. Ele se considera tão tímido que chega a classificar a característica como um “ponto a melhorar”.

— Ele sofre muito com isso. É mesmo uma superação. É engraçado, ninguém acredita, porque ele tem o dom da palavra, fala bem, mas quando é abordado na rua ou está sob o holofote, fica nervoso — confidencia a amiga Cinthia Canziani.

Talvez ninguém acredite porque, ao longo dos anos, Napoleão deu todos os indícios de ser desinibido. Em 1999, apresentou um programa sugerido por ele mesmo na Rádio Nereu Ramos, o Falando com a Cidade. No ano seguinte, aos 17 anos, foi o candidato mais novo do Estado a disputar uma vaga de vereador. Não se elegeu, mas tentou de novo em 2004. Fez 1.680 votos e conseguiu assumir como suplente por um mês, em 2007, mesmo ano em que se tornou professor titular da Universidade Regional de Blumenau (Furb), depois de aproveitar o hiato entre as duas eleições para se formar em Direito e concluir uma especialização e um mestrado.

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A timidez também aparece ao falar da fama de ser “mão de vaca”, conhecida desde a época em que era repórter da TV Legislativa de Blumenau. Fabrício Wolff, hoje também assessor do prefeito, lembra de uma vez em que levou a chave do carro de Napoleão para a casa por engano e deixou o amigo furioso por ter de gastar com um chaveiro para abrir o veículo.

— Quando cheguei no outro dia descobri que a chave que estava sobrando era dele. Me falaram que ele gastou para abrir, e eu, sabendo que ele era pão-duro, insisti para devolver o dinheiro. Mas ele não quis — lembra Wolff.

A festa de despedida de Napoleão da TVL, uma tradição para quem deixava a emissora, foi um retrato da sovinice. Ele confessa encabulado que de marcante mesmo, só a economia. O carvão não pegava fogo, a carne era dura, a vodca, de terceira, e o refrigerante não era Coca-Cola. Mas entre um “pô” e outro _ o vício de linguagem costuma começar ou encerrar as frases do prefeito _ Napoleão conta que o lado solidário equilibra o lado pão-duro.

Nos quase seis anos em que viveu um triatlo entre os estudos matutinos, o programa de rádio ao meio-dia e a reportagem à tarde e à noite na TVL, ele comia apenas um sanduíche durante todo o dia _ no almoço, recheado com linguiça, queijo e tomate. O lanche, volta e meia, alimentava também um amigo, Marcão, que às vezes esquecia de levar o seu almoço.

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Rompantes na prefeitura são um arrependimento

De meados dos anos 2000 para hoje, o que mudou é que o sanduba de linguiça não compõe mais o cardápio diário, mas Napoleão garante: procura ser solidário sempre. Mas e os defeitos? A pergunta demora para ser respondida. Os dedos mexem na aliança dourada.

— Pô, posso pedir ajuda? — responde, rindo, ao cruzar o olhar com a assessora.

Amigos e funcionários próximos já tinham alertado que, para o bem ou para o mal, ele peca ao querer ouvir demais quem o rodeia. O prefeito concorda, mas justifica que é para poder ver o todo, ter o máximo de informação possível.

— Às vezes sou um pouco ingênuo em algumas coisas — fala, concluindo que ¿isso atrapalha um pouco¿. Além de ser conhecido pelo sorriso, Napoleão é descrito como um homem calmo, gentil e educado _ costuma cumprimentar as pessoas com um abraço caloroso e, mulheres, geralmente beija a testa.

Apesar da rasgação de seda à conduta tão afável que emoldura a boa reputação, ele confidencia que, às vezes, principalmente quando se trata da administração da cidade, ¿passa do ponto¿ e que nem sempre é justo. Tanto que, na hipótese de poder mudar algo no passado, elenca esses rompantes como arrependimentos. A esposa Guta defende o marido e garante nunca ter presenciado algo assim. Para ela, Napoleão só é um pouco desastrado, esbarra nas coisas e faz sujeira na pia do banheiro com a pasta de dente.

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Independentemente de ser reeleito prefeito ou não, Napoleão acredita que nunca será visto ou tratado exclusivamente como o homem que está à frente da administração de Blumenau. Para ele, junto com essa figura estão, em sintonia, o filho, o marido e o amigo. A vivência política desde os tempos de juventude impede que as pessoas que viram o filho caçula do renomado advogado Acácio Bernardes crescer o enxerguem com outros olhos. Mas Napo, como é conhecido, diz ser um blumenauense comum.

Participa de corridas de rua _ começou com as provas de cinco quilômetros e agora, cinco anos depois, se arrisca na primeira de 10 quilômetros _ e faz até algumas postagens em sua conta no Instagram _ a foto dos sobrinhos no dia das crianças e a da prova Blumenau 10K são dele, as demais, assim como as outras redes sociais com seu nome, são responsabilidade da equipe do prefeito. Para compensar a vida atribulada e as restrições (a fase de campanha resultou na perda de quatro dos 100 quilos e beber aquela cervejinha no bar com os amigos já não é tão fácil como antigamente), Napoleão é claro:

— Pô, eu lutei tanto para ter a oportunidade de ser prefeito, então agora eu me dedico. Sou muito focado e obstinado com relação a isso.

Leia a carta que Napoleão Bernardes escreveu para responder porque ele quer ser prefeito de Blumenau novamente:

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