Apartamentos de luxo, carros importados, criptomoedas, supermercados e até máquinas de bichos de pelúcia. Estes são alguns dos artifícios utilizados por criminosos para esconder o dinheiro adquirido de maneira ilícita, como tráfico de drogas e corrupção. Um esquema milionário e que tem encontrado em Santa Catarina maneiras de disseminação, principalmente com o crescimento no setor imobiliário. Ao mesmo tempo, as forças de segurança investem na tecnologia para asfixiar financeiramente os grupos e, assim, enfraquecer as organizações criminosas.
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Em 2023, a legislação que tornou a prática de lavagem de dinheiro crime no Brasil completou 25 anos. Conforme a Lei Nº 9.613, de março de 1998, é considerado crime “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. A história da prática, no entanto, advém de muito antes dessa data.
O nome, inclusive, é em alusão às lavanderias usadas pelo crime organizado na década de 1930 nos Estados Unidos para esconder o comércio de bebidas alcóolicas durante a Lei Seca. Já no Brasil, a tipificação veio como uma maneira de investigar os lucros obtidos por meio do tráfico de drogas, como explica o advogado Luiz Bessa Neto.
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— A partir da década de 1980 há uma reformulação da política criminal no mundo, especialmente a partir do contexto e do fenômeno da globalização. Essa possibilidade mais rápida de transmissão de bens de pessoas e valores ou qualquer coisa nesse sentido. Há também com esse fenômeno um maior intercâmbio entre as organizações criminosas. Se ela tinha uma atuação regional, ela consegue expandir a atuação de forma transnacional, e aí a necessidade de não atacar mais apenas o indivíduo, mas de fato o produto gerado por esse crime — pontua o especialista.
No entanto, as investigações perceberam que o crime poderia ocorrer oriundo de outras práticas, como roubo ou extorsão. Sendo assim, houve a criação de um rol de delitos onde haveria a suspeita da prática da lavagem de dinheiro. Essa lista, porém, foi extinta em 2012 devido ao entendimento de que a prática pode ser descendente de qualquer contravenção penal.
— Tínhamos um rol bem delimitado de crimes bastante graves, como tráfico, que tem penas bem altas e um desvalor social grande. Com a extirpação desse hall, temos, por exemplo, a agiotagem ou o jogo do bicho, que é punida com a prisão simples de quatro meses a um ano, que com a lavagem de dinheiro pode aumentar a pena — pontua o advogado Luiz Bessa Neto.
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Em Santa Catarina, a lavagem de dinheiro encontra diferentes ramificações. Só em 2023, segundo a Delegacia de Investigação à Lavagem de Dinheiro (DLAV) da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic), oito operações foram organizadas tendo como foco o sufocamento do crime, com a apreensão de aproximadamente R$ 60 milhões em bens.
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Em julho, por exemplo, 32 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em quatro municípios da Grande Florianópolis onde o alvo era um grupo suspeito por lavagem de dinheiro oriundo do jogo do bicho. Para isso, segundo a polícia, eles montaram duas centrais de mototáxis e motoboys, um restaurante e chegaram a simular um divórcio para esconder o dinheiro adquirido ilegalmente.
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Outra ação recente da Polícia Civil onde o foco foi a lavagem de dinheiro ocorreu em Florianópolis no fim de outubro. A investigação, conduzida pela Delegacia de Combate às Drogas (Decod) do Departamento de Investigação Criminal da Capital (DIC), identificou que o grupo usou ao menos 22 empresas como fachada para movimentar o lucro obtido com o tráfico de drogas. Entre elas estão supermercados, locadoras de veículos e construtoras.
— Ela envolve desde a contravenção penal do jogo do bicho, tráfico de drogas, fraude em licitação, corrupção, tudo. Todos esses crimes são praticados com objetivo de lucro e também retroalimentar e reabastecer o próprio crime — pontua Jeferson Costa, delegado da DLAV.
Dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) — órgão criado para prevenção da lavagem de dinheiro — apontam que em todo o Brasil cerca de 5 mil dos casos suspeitos envolvendo a transação de valores tinham ligação com o tráfico de drogas. Em seguida vêm as fraudes (2.834) e as denúncias de corrupção (2.300).
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Para esconder o dinheiro ilícito, os criminosos recorrem aos mais diferentes artifícios: desde os mais tradicionais, como o uso de contas bancárias em nome de laranjas, como com a abertura de empresas de fachadas, como mecânicas.
— O agente criminoso não pode colocar o patrimônio no nome dele, porque se ele colocar no nome dele, vai despertar uma desconfiança. Então ele usa laranjas, que é uma prática clássica, mas não a única. Existem criminosos que não se omitem e ostentam o patrimônio — pontua o delegado Jeferson Costa, da DLAV.
Além da criação de empresas de fachada, outra prática é usar comércios que possuem um fluxo financeiro onde é possível justificar a entrada de um grande ativo de capitais, como postos de gasolinas ou supermercados. E, mais recentemente, o mercado de criptomoedas.
— A partir do momento em que você tem uma rede de mineração de criptomoeda, você pode justificar, inclusive, a tua renda como sendo originária dessa prática, ocultando a lavagem — complementa o delegado.
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O que é a lavagem de dinheiro?
O crime de lavagem de dinheiro caracteriza-se por um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente, três fases independentes que, com frequência, ocorrem simultaneamente.
Para disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos, a lavagem de dinheiro realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer: primeiro, o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação direta deles com o crime; segundo, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; e terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois de ter sido suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado “limpo”.
Entenda as fases do processo de lavagem de dinheiro:
- Colocação: É a colocação do dinheiro no sistema econômico. Para ocultar a origem, o criminoso aplica técnicas que possuam dificultar a identificação da procedência do dinheiro, tais como o uso de estabelecimentos comerciais que trabalham com o dinheiro em espécie.
- Ocultação: Consiste em dificultar o rastreamento dos recursos ilícitos. Para isso, os criminosos buscam movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas ou realizando depósitos em contas abertas em nome de “laranjas”.
- Integração: Os valores são incorporados formalmente ao sistema econômico. Neste caso, as organizações buscam investir em empreendimentos que facilitem as atividades. Uma vez formada a cadeia, é cada vez mais fácil tornar o dinheiro ilegal em legal.
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