A escolha da foto que vai para a capa de uma edição impressa sempre é dilema para editores de jornais. Imagine-se, então, quando a decisão é monotemática, ou seja, de uma única pessoa. Nos 35 anos do Diário Catarinense, não foram tantas as vezes em que isso ocorreu ao longo das milhares de edições. Uma dessas foi em 28 de outubro de 2015, quando a catarinense Maria Francisca Alexandre Simão, a Mariazinha da Guerra, foi a única a ilustrar a primeira página do principal jornal do Estado.
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Mas quem era Mariazinha para conquistar tal proeza? Na época, com 89 anos – embora houvesse desconfiança que beirasse os 100 anos – ela falava de uma infância marcada por perseguições, fome, miséria. Por onde andou Mariazinha carregou memórias sobre a Guerra do Contestado (1912-1916). Por isso, a chamamos de Mariazinha, a filha da guerra. A caçula dos Simão nasceu em Couro d’Anta, interior de Lebon Régis, um dos palcos das batalhas.
Quando nossa equipe encontrou Mariazinha, às margens da BR-116, ela morava em Santa Cecília, no Planalto Norte catarinense. Mariazinha se dizia neta de uma índia e de um avô branco, uma síntese antropológica que lhe deu uma pele acobreada, olhos meio puxados e sangue caboclo. Mariazinha viveu dois casamentos e teve sete filhos – fora dois que não vingaram. Mulher de corpo minguado, vestia-se com calças compridas por baixo do vestido ou saia e casaco sobre blusões de lã.

Na cabeça, lenço escuro e chapéu preto com barbicacho (cordão que prende no queixo). Nos pés, botas de borracha. Parecia feita de força e persistência. Dizia não ter medo de tiro, de faca, de emboscada, de nada. A casa de Mariazinha se localizava no alto de um barranco, às margens da BR-116. O terreno pertencente à União. Ela e o filho Capitolino moravam ali havia 50 anos. Até que, há dois anos, o fogo destruiu o barraco de madeira. Desde então, passaram a viver em barracos pelos matos da região.
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No começo deste ano, uma ação humanitária comandada pelo professor e pesquisador Nilson Cesar Fraga deu uma casa nova para eles. De acordo com Fraga, foram exatos 77 dias na nova moradia. Até que num domingo do último abril o coração de Mariazinha parou de bater.

Justo ela, que acreditava que vivia como tinha que ter vivido. Mariazinha nunca foi à escola. Mas dotada de sabedoria para analisar as circunstâncias da guerra: nem todos eram do mal, mas havia muita maldade das duas partes. Governo, fazendeiros e coronéis estavam juntos. Se ficasse do lado deles, os rebeldes voltavam e matavam mulheres e crianças. Quem dava pouso ou comida para os revoltosos morria pelas mãos dos soldados.
– Nós somos sofredores e vencedores – profetizou.
Para a espiritualidade cabocla, Mariazinha não morreu, mas encantou. A filha do Contestado foi para a Corte Celeste de São João Maria. Antes disso, Mariazinha já havia encantado os editores de capa do DC.
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