A Naca menina, hoje uma senhora de 70 anos, gostava tanto de acompanhar o pai nas pescarias que nem reclamou de ter sido retirada da escola. Tampouco das marcas no corpo da corda amarrada à cintura para que calças largas do pai não lhe caíssem. Mais velha entre seis irmãos, Nair Maria Cabral Mence descobriu ainda criança algo que segue a testemunhar por 60 anos de profissão:

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– O mar é um vício que entra na gente e segue por toda a vida.

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Dona Naca mora na Praia da Cruz, em Governador Celso Ramos, na Grande Florianópolis, e foi uma das protagonistas da reportagem multimídia “Pescadeiras”, publicada pelo Diário Catarinense em setembro de 2019.

A história de Naca é de valentia. Ela se casou aos 16 anos e aos 35 ficou viúva e com cinco filhos para criar. Foi o mar, diz, que lhe deu sustento e renda para alimentar e educar as crianças. Formou duas professoras, um pintor e dois pescadores profissionais. 

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(Foto: Tiago Ghizoni, BD)

Avó de cinco netos e quatro bisnetos ela resume:

– Com o mar sou tudo, sem ele sou nada.

Apesar da idade, Naca pesca sozinha. Já teve filhos e amigas como parcerias, mas prefere trabalhar de forma solitária. Em casa, no alto da servidão e com uma vista deslumbrante das águas esmeraldinas de Governador Celso Ramos, ela mostra os álbuns com fotografias que comprovam as histórias.

O maior peixe que pescou foi um cação de 62 quilos. Nesse dia, lembra, precisou de grande esforço para colocar o bicho mais pesado do que ela dentro da embarcação:

– No começo até me assustei, pois o peso era tanto que pensei ser um defunto – conta.

O segundo maior peixe capturado foi uma miraguaia de 45 quilos. Nas redes de Naca também caiu um tubarão de 32 quilos, bicho valente cheio de dentes e que cortou o cabo da tralha da rede.

Naca sente orgulho em falar dos dias em que tirou das redes 200 quilos de peixes, quantidade que nem cabia na embarcação, que quase afundou. Num desses dias foram 12 miraguaias. Total: 220 quilos.

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Naca também já enfrentou tempestades severas. Numa delas, a força do vento era tanta que arrastou o bote para a Barra do Rio Tijucas, uns 30 quilômetros adiante. Ela ouvia dizer que lugar de mulher é em casa cuidando dos filhos. Mas ela não se rendeu: cuidava das crianças, deixava a comida pronta em cima do fogão à lenha e cedinho saía para o mar. Hoje, é o orgulho da família.

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(Foto: Tiago Ghizoni, BD)

A experiente mulher do mar está preocupada com as mudanças no clima:

– Há 40, 50 anos, a gente se levantava de manhã cedo, olhava o céu e sabia se o vento viria. Hoje, não – aponta.

Para ela, as variações do clima se devem à poluição causada principalmente pelo desmatamento. Mas também acha que o pescador deve ser mais cuidadoso:

– Já tirei muito lixo das redes, principalmente sacolas de plástico e garrafas PET. Não dá para levar e depois jogar fora, é preciso cuidar da natureza, se não um dia tudo acaba – alerta.

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No começo de março, conversamos com Naca por telefone:

– Já tomei as duas doses da vacina contra o coronavírus, arrumei as redes e pintei a embarcação. Agora, estou à espera das tainhas – brincou, referindo-se a safra que recém foi aberta.

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