Em primeiro lugar, há que se considerar a cidade. Há que se considerar Londres. Na II Guerra Mundial, durante 57 dias consecutivos, os aviões da Luftwaffe despejaram bombas incendiárias sobre Londres. Durante 57 dias, a cidade ardeu, e verteu sangue e lágrimas. Olhando para as ruínas fumegantes da sua capital, Churchill se emocionou. Comparou Londres a um grande animal pré-histórico, que sofria mil ataques, que sangrava por mil feridas, mas que ainda assim prosseguiria firme, que ainda assim resistiria. Como prosseguiu. Como resistiu.

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Londres, que tem dois mil anos de história, que já foi pisada pelas sandálias de Júlio César, que ouviu os urros dos vikings e dos normandos, que foi devastada pelo grande incêndio de 1666, Londres seguiu rumo ao futuro e hoje é a maior cidade da Europa, com seus 12 milhões de habitantes, é um dos maiores centros financeiros e culturais do mundo, é uma das capitais da Humanidade.

Uma cidade com tal história e com tal importância só tem uma maneira de administrar uma Olimpíada: com naturalidade. A Olimpíada de 2012 é mais um grande acontecimento, dos tantos que Londres já experimentou. Olimpíadas, inclusive, foram outras duas, em 1908 e 1948.

Assim, a vida na cidade flui sem desassossego, no ritmo do serpeante Rio Tâmisa. Os londrinos estão acostumados com estrangeiros _ calcula-se que sejam faladas mais de 200 línguas em toda a área urbana. Os policiais são gentis e até bem humorados debaixo de seus capacetes altos. Claro, nesses tempos de terrorismo internacional, está sempre presente a preocupação com a segurança. Baterias antiaéreas foram acopladas nos tetos de edifícios próximos ao Parque Olímpico, apesar das queixas dos moradores dos prédios. E, nos trens, o serviço de som avisa: “Se você vir algo suspeito, comunique a um funcionário”. O que seria “algo suspeito”? O serviço de som não diz.

No entanto, não existe paranoia. Embora os agentes da Scotland Yard estejam por todo lugar, eles jamais parecem tensos. Uma ilustração: na quarta-feira passada, o primeiro-ministro de Bangladesh, o xeique Hasina, esteve em Londres. Hasina é inimigo de Mohamed Yunus, que venceu o Prêmio Nobel da Paz por fundar em Bangladesh um banco de microcrédito a fim de atender a população de baixa renda. Por esses dias, Hasina pressionava pela demissão de Yunus de seu próprio banco. Acabou conseguindo. Os conterrâneos dos dois adversários, os que vivem ou visitam Londres, decidiram fazer uma manifestação contra o xeique. Uma centena deles foi para frente do hotel em que ele estava hospedado, o St Pancras Renaissence, suntuoso, imponente, de arquitetura vitoriana, semelhante a uma grande catedral. Meia dúzia de policiais da Scotland Yard controlaram a manifestação. Os protestantes ficaram restritos à calçada, do outro lado da rua, gritando palavras de ordem e brandindo cartazes. Não houve interrupção do tráfego, não houve incômodo aos demais hóspedes. Houve um protesto. Pronto.

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A tranquilidade dos policiais é afiançada pela tecnologia. Há câmeras espalhadas por todos os desvãos de Londres. Se, como diz o serviço de som do trem, “algo suspeito” ocorre em alguma esquina, em um minuto o lugar estará cercado de agentes da lei.

Igual vigilância acontece no trânsito. Além de todo o aparato fiscalizatório bem conhecido dos brasileiros, os “azuizinhos” ingleses dispõem de um carro com uma câmera acoplada no capô. O carro fica rodando, ou estaciona numa esquina, ou para por um momento, a tudo vigiando. E a todo infrator multando.

Mas, para uma cidade de tal porte, o trânsito nem é tão pesado. Em certas horas críticas, e em certos naco da cidade, pode ser lento, mas dificilmente se detém por muito tempo, como no Rio ou em São Paulo. Como os ingleses conseguem essa façanha? Com os trens. Londres é rasgada por uma malha ferroviária única. Trata-se da maior rede subterrânea ferroviária do mundo. Mas os trens de superfície também são vários, rápidos e confortáveis. O High Speed é, como promete o nome, um trem de alta velocidade que faz a comunicação entre bairros em escassos minutos, e é frequentado por pessoas de todas as classes, vestindo desde ternos alinhados até agasalhos das delegações olímpicas que estão por ora na capital dos ingleses.

Uma curiosidade é o comportamento dos ciclistas. Para os padrões brasileiros, eles seriam temerários. Rodam em alta velocidade no meio dos carros, às vezes cortando-os, sem capacete ou aparatos de segurança. Quando querem mudar de direção, apenas estendem o braço, sinalizam para onde vão, e vão, sem medo. Há poucas ciclovias, e as que existem muitas vezes são ignoradas pelos ciclistas, que preferem circular em meio aos carros.

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Finalmente, uma lição importante que o Rio poderia extrair da experiência inglesa é o aproveitamento que eles pretendem fazer da estrutura olímpica. O Parque Olímpico foi erguido em um bairro pobre exatamente para que esse bairro usufrua dos investimentos depois dos jogos. Assim, Stratford contará com um moderno centro comunitário, com novas ruas e praças, além do futuro estádio do Tottenhan. A maioria das instalações é desmontável, e será reaproveitada no bairro ou em outras partes do Reino Unido. Foi tudo feito com elegância, não com luxo. Tudo feito sem economia, mas sem gastança. Tudo feito de um jeito muito britânico, sóbrio e distinto. Como dificilmente o Brasil conseguirá fazer.