Em nome do pai, Esquiva Falcão entrou para a história do boxe brasileiro, na Olimpíada de Londres. Em nome do pai, ele tem lutado os 22 anos da sua vida, e lutará para garantir vaga na final, na próxima sexta-feira. O nome do pai foi a primeira coisa que lhe veio à mente depois de surrar o húngaro Zoltan Harcsa, no começo da semana: com os braços que usou para deferir ganchos e diretos e tontear o adversário, Esquiva fez um “T” para homenagear o pai, Touro Moreno.

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Justíssima homenagem. Há dois filhos de Touro Moreno lutando boxe na Olimpíada londrina. E brilhando. Esquiva já garantiu pelo menos a medalha de bronze, um resultado histórico. A única medalha (também de bronze) do boxe nacional foi conquistada há 44 anos por Servílio de Oliveira, no México. Já o irmão mais velho de Esquiva, Yamaguchi, classificou-se para as quartas de final e lutará amanhã contra o cubano Julio la Cruz Peraza, um inimigo poderoso, como soem ser os boxeadores cubanos.

Touro Moreno prepara os filhos para o boxe desde o primeiro dia de vida – mesmo. Touro conta que, quando lhe nasce um novo filho, ele segura as mãozinhas fechadas do nenê e simula socos. Depois, quando estão mais crescidinhos, treina com eles esmurrando as folhas de bananeira do quintal da humilde casa da família em Jacareípe, na região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo.

Touro Moreno tem 18 filhos, 11 com a terceira mulher, Maria Olinda, que já prometeu uma “surpresa especial” para quando os Esquiva e Yamaguchi voltarem de Londres. Como é surpresa, claro, ela não revelou do que se trata. Segundo o próprio Touro Moreno, foi Maria Olinda que fez com que ele “se acalmasse”. De certa forma, uma façanha. Touro Moreno, que na verdade se chama Adgar Florentino, saiu de casa aos oito anos de idade e, aos 12, já era cafetão.

– Eu vivia envolvido com prostitutas e estava sempre bebendo – revelou em entrevistas concedidas depois que seus filhos se classificaram para a Olimpíada. Numa das entrevistas, para uma emissora de TV, chorou ao recordar que roubava açúcar, farinha e feijão do supermercado, para dar o que comer aos filhos tantos.

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Touro Moreno é uma espécie de lenda capixaba. Foi lutador de boxe e de vale-tudo, como se chamava antes o MMA. Tornou-se célebre no Estado o enfrentamento que ele fez, em 1971, contra um lutador chamado “Rei Zulu”. Esse Rei Zulu era um negro de 1m93cm de altura, 100 quilos de peso e 24 anos de idade. Touro Moreno tinha 22 centímetros e 27 quilos a menos, e 10 anos a mais. No começo da luta, Touro tentava se esquivar da fúria dos golpes do outro. Conseguiu durante dois rounds. No terceiro, Rei Zul aplicou-lhe um mata-cobra no tampo da cabeça. Touro foi à lona. Não satisfeito, o monstro o ergueu pela cintura e o atirou na plateia, como se ele fosse um dos sacos de feijão que roubava no súper. Mas voltou, cambaleante, e sua volta rendeu-lhe a simpatia do juiz, que passou a dirigir a luta de forma a evitar o choque entre os dois. No fim, o juiz ergueu as mãos de ambos, decretando o empate. Rei Zulu ficou fulo, queria briga, mas um juiz de vale-tudo capixaba está sempre prevenido: sacou um revólver da cintura e Rei Zulu, sensato, acatou o resultado.

Foi esse homem que forjou Esquiva e Yamaguchi nos moldes do boxe. Até os nomes dos rapazes têm a ver com o esporte. Esquiva não é apelido, é nome mesmo. Touro Moreno batizou-o assim para poder gritar “esquiva!” durante as lutas sem que o filho seja punido pelo juiz. E Yamaguchi é o nome de um antigo mestre de judô que deu aulas para Touro. Resultado: os rapazes só pensam em boxe. Para a Olimpíada, Esquiva fez treinamento intensivo durante quatro meses. Deu certo.

– Ele está sobrando! – elogia o treinador João Barros.

– Ele é muito educado, disciplinado, respeitador e sério – desmancha-se o ex-lutador e medalhista Servílio de Oliveira.

Terá de valer-se de todos esses predicados na próxima luta. Seu adversário é o britânico Anthony Ogogo. Quer dizer: todo o ginásio do Centro ExCel estará torcendo para o inimigo do brasileiro.

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– Sei disso – disse Esquiva. – Mas estou preparado. Já venci esse adversário. Posso vencer de novo.