Do chão, as imagens das últimas semanas impressionam. O sol alaranjado e o céu acinzentado em Santa Catarina, a quilômetros das queimadas, mostravam o impacto do desastre climático enfrentado no Brasil. Já do alto, novas fotos publicadas pela Nasa, a agência espacial norte-americana, revelaram a proporção astronômica do problema e reforçaram o alerta: afinal, o que estamos fazendo com o planeta?

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Nos últimos dias, a capital federal foi engolida pelo “nevoeiro” de fuligem. Um grande incêndio no Parque Nacional, no Centro-Oeste, fez com que Brasília ficasse completamente fosca. O fogo destruiu ao menos 2 mil campos de futebol no Cerrado e provocou a suspensão de aulas em escolas, além de um alerta para a saúde por conta da qualidade do ar, que ficou insalubre.

Olhos secos e doenças respiratórias: como as fumaças da Amazônia impactam na saúde de SC

Na Amazônia, entre junho e agosto deste ano, os incêndios queimaram quase 2,5 milhões de hectares e emitiram 31,5 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Os dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) também revelam que os focos de incêndio na maior floresta tropical do mundo aumentaram as emissões de gases de efeito estufa em 60% no mesmo período. 

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Os incêndios enfrentados pelos estados brasileiros estão ligados a uma das maiores estiagens registradas no país desde a série histórica de 1950. Uma análise do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, mostrou que mais de um terço do território nacional enfrenta a seca na sua pior versão. Os resultados são rios secos, vegetação pegando fogo e fumaças que se espalham por quase todo território nacional, como em Santa Catarina. 

No Estado, a Defesa Civil registrou as fumaças pela primeira vez em 16 de agosto e, por quase um mês, os catarinenses amanheceram com o céu coberto pela “neblina” de fuligem. Florianópolis, a Capital, foi classificada pelo site suíço IQAir como “insalubre” para respirar e chegou a ultrapassar São Paulo no ranking, da mesma plataforma, que elenca as cidades mais poluídas do Brasil. 

A poluição pode ser vista com nitidez durante o nascer e pôr do sol, momentos em que o céu fica mais alaranjado do que o normal. Diego Hemkemeier Silva, diretor de Controle e Passivos Ambientais, do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA/SC), diz que a coloração mais avermelhada e menos brilhante do astro ocorre devido às partículas das queimadas presentes no ar. 

— A luz solar ao atravessar a atmosfera carregada de partículas de fumaça dispersa mais do que o normal, o que causa um efeito de um sol avermelhado. Isso ocorre devido à presença de partículas em suspensão no ar que interferem na luminosidade — diz o diretor. 

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Além do céu mais alaranjado, as fumaças das queimadas também influenciam na qualidade da chuva. Isso porque a fuligem das queimadas e a concentração de compostos contaminados na atmosfera se misturam com a umidade e se precipitam sob forma de chuva, o que altera a coloração da água, como foi observado em alguns municípios de Santa Catarina na última semana. Segundo Hemkemeier, o líquido não deve ser consumido por ter substâncias tóxicas que podem causar problemas de saúde. 

— A gente acredita que não vai ter impactos maiores em relação ao solo ou em relação à água. A questão está só em monitorar. Temos que ficar mais atentos caso comece a acontecer de forma mais prolongada, durante boa parte do ano, como acontece na Europa e na Ásia. No nosso caso, é algo pontual — explica o especialista do IMA. 

A chuva “preta” que atingiu Santa Catarina no último final de semana, contudo, ajudou a dissipar o ar poluído do Estado e os catarinenses puderam ver o céu azul novamente. Conforme Hemkemeier, a precipitação tem um papel de “lavar” a atmosfera, capturando as partículas de fumaças e levando para o solo.  

Entretanto, segundo a Defesa Civil do Estado, ainda há chances das fumaças das queimadas voltarem a cobrir Santa Catarina. A expectativa é de que a situação melhore apenas com o fim da época de seca nas regiões Norte e Centro-Oeste.

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— Essa época do ano é bem seca naturalmente. Começa a chover a partir de setembro e outubro. Enquanto não começar a chover lá, pode ser que a fumaça volte para a nossa região — diz Diego.

Baixa umidade do ar, onda de calor e nuvem de fumaça 

E a saúde, como fica?

Os extremos do clima afetam não só o meio ambiente, mas também influenciam na saúde de quem respira o ar poluído. Segundo o médico pneumologista, Fabiano Luis Schiwngel, presidente da Associação Catarinense de Pneumologia, as doenças respiratórias tendem a aumentar com a aparição das fuligens devido a presença de compostos derivados do carbono nas fumaças. 

A exposição às partículas, de acordo com o especialista, provoca inflamações nas vias aéreas superiores, como nariz e garganta, o que pode causar tosse, irritação nos olhos, rinite e aumento das secreções. Em casos mais graves, quando as partículas finas penetram nas áreas inferiores do sistema respiratório, podem gerar inflamações pulmonares, falta de ar e até crises de broncoespasmo, o estreitamento dos brônquios, que dificulta a respiração.

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— Exposições prolongadas podem levar ao desenvolvimento de doenças crônicas, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), além de aumentar o risco de infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC) e até neoplasias, como o câncer — diz o médico. 

Crianças menores de 5 anos, idosos acima de 60 anos e pessoas com comorbidades respiratórias, como asma, estão entre os grupos mais vulneráveis, segundo o especialista. 

— Esses grupos possuem um sistema imunológico mais fragilizado, o que os torna mais suscetíveis às complicações agudas e crônicas — destaca. 

No Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) registrou o aumento de 42% nos casos de internações de crianças em decorrência de doenças respiratórias nos primeiros 10 dias de setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado. A pasta, entretanto, não sabe afirmar se os números têm relação com a presença das fumaças. 

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No entanto, o pneumologista enfatizou que a exposição à fumaça é prejudicial a todos, independentemente da idade ou condições de saúde:

— Embora os mais vulneráveis tenham maior risco de complicações imediatas, todos que respiram o ar contaminado sofrem algum impacto. 

O pneumologista orienta o uso de máscara para minimizar os danos causados pela inalação da fumaça. Segundo ele, essa seria uma das recomendações mais eficazes por criar uma “barreira” antes que as partículas entrem nas vias aéreas. Além disso, é essencial manter as residências bem fechadas e utilizar panos úmidos para limpar superfícies. 

— Evitar o uso de vassouras e aspiradores de pó é importante, pois essas ações podem levantar as partículas novamente e aumentar o risco de inalação. Já a prática de exercícios em ambientes com alta concentração de fumaça pode agravar os problemas respiratórios, uma vez que, durante a atividade, a quantidade de ar inalada é muito maior, expondo a pessoa a um volume maior de partículas — pontua.

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