A história de resistência da população negra de Florianópolis passa também pelas mãos das lavadeiras. Retiradas do centro da Capital no início do século 20, metade delas se estabeleceu no Monte Serrat, o Morro da Caixa. O local é repleto de nascentes e serviu de sustento para muitas famílias, que em sua maioria eram chefiadas por mulheres.

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Ajoelhadas à beira da fonte, passavam o dia lavando roupas. Subiam e desciam os morros com sacolas nos braços e trouxas de roupas na cabeça. Nos anos 1910, no entanto, algumas áreas urbanas da Capital começaram a receber água encanada. Anos depois, surgiram as máquinas de lavar, e o trabalho ficou cada vez mais escasso para as lavadeiras.

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Símbolos de resistência, Selma Ramos Barbosa, 78 anos, e Vilma Carlos Teles, 80, amigas de infância, foram as responsáveis por carregar o legado que trouxeram de suas ancestrais e são as últimas representantes e testemunhas da história. Dona Selma, inclusive, tem uma queda d’água na porta de casa, onde ela e a mãe, por anos, tiraram o sustento da casa.

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— Eu gostava, a água clarinha, limpinha, sempre lavando roupa, sempre lavando roupa. Meu trabalho era esse. Às vezes até choro, estou ali na janela, vejo aquela cachoeira d’água, converso com ela, que me deu tudo — conta dona Selma.

Presença feminina ajudou a trazer melhorias

A antropóloga Cauane Maia destaca que a presença feminina contribuiu para melhorar a estrutura da comunidade. Elas ajudaram a brigar, por exemplo, pela instalação da eletricidade. Quando chegaram, aliás, mal existiam estradas no morro.

Os espaços de trabalho das lavadeiras eram uma extensão de casa, em que levavam os filhos pequenos e alimentos, que compartilhavam entre elas. Além de compartilhar a comida, também indicavam trabalho para as que estavam desempregadas.

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— Podemos enxergar essas mulheres como dinamizadoras de uma economia local, porque, com o ofício, sustentaram as famílias e criaram outras alternativas pedagógicas, lúdicas e de formação para as gerações seguintes. O ofício das lavadeiras vai ser o elo entre o período escravocrata e a transição para o sistema servil, o sistema assalariado — explica.

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Jornadas de trabalho extenuantes

Citando Ângela Davis, a antropóloga Cauane diz que esses ofícios são legados do período escravocrata, onde as mulheres negras eram colocadas em ofícios mal remunerados, sem regulamentação e em condições difíceis, já que viviam jornadas “extremamente extenuantes”.

No caso de dona Selma, por exemplo, de tanto ficar ajoelhada em cima da pedra esfregando roupa, carrega uma dor crônica nos joelhos. A antropóloga ainda cita que há relatos de mulheres que chegaram a enfrentar essas condições grávidas.

— Então, essas mulheres, percebendo que essas condições precisam ser revistas ou tentando assegurar um futuro menos duro para suas filhas e filhos, vão buscar outras alternativas. Sem as lavadeiras, certamente a estruturação comunitária e a própria formação do Maciço do Morro seria outra, talvez até esse próprio senso de coletivo. Essas mulheres que moram no Morro da Caixa, Morro da Cruz, Monte Serrat ou em outras comunidades vão acolher essas pessoas e vão fazer com que essas pessoas se coloquem profissionalmente no ofício que for possível desde que seja ali a fonte de seu sustento — pontua.

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