Sou preguiçosa praticante, confesso. Em um mundo em que a comodidade aumenta a cada nova tecnologia, mover-se da maneira que proporcione menos suor possível é tentador. Especialmente aos adeptos da mesma (falta de) prática que a minha e moradores de Blumenau. Apesar da impressão de que o Senegal está próximo daqui, na verdade, a temperatura média anual neste ponto do Vale gira em torno dos 20 ºC. Logo, o calor não é desculpa vitalícia para que o carro seja o único meio de transporte fora do portão de casa, mesmo sendo a esquina o destino. Até uns meses atrás mantive essa desculpa bem conservada no meu repertório, mas fui forçada a mudar.

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Não é preciso ser exímio conhecedor das planilhas do Excel para concluir que carro é sinônimo de despesa pesada no orçamento doméstico. Entre uma conta e outra surgiu a oportunidade de transformar o gasto em investimento com desafio adicional: ficar alguns meses sem carro. Já andei muito de ônibus. Morar na Itoupava Central, trabalhar e estudar no Centro sem a chance de carona durante muitos anos me rendeu conhecimento vasto sobre o Terminal do Aterro e a tabela de horários.

Morar na região central, trabalhar perto de casa, estar rodeada de supermercados e comércio variado e de um terminal são elementos que criaram condição facilitada para que eu optasse pela garagem vazia. Isso me forçou a pôr o pé na rua todos os dias e não só de vez em quando, como antes. Só assim a gente conhece, de verdade, onde se mora. Na Itoupava, sabia de tudo que ficava entre o caminho de casa até a escola. Coisa que só agora descubro na Vila Nova, onde vivo há quase oito anos.

Assim tenho conhecido o pequeno comércio local. Também relembrei que as ruas pertencem às mulheres apenas entre o nascer e o pôr do sol. Em algumas, em nenhum horário nos é permitido passar com tranquilidade. No geral, se durante o dia já é preciso atenção, ao andar a pé à noite a cautela é triplicada. E o medo maior não é de assalto. Tenho provado, com felicidade, como deram certo os corredores de ônibus, mas, ao mesmo tempo, como o sistema continua falho e desanima passageiros que, na primeira oportunidade, optam pelo meio particular para se locomover. Quem embarca em ônibus todos os dias sabe bem o motivo da queda do número de usuários em quase 18%, como contou o Pancho na edição do fim de semana do Santa.

Não é possível que um ciclista comum consiga usar a sua magrela como meio de transporte na região central no dia a dia. Admiro a coragem de quem consegue, que não é o meu caso, apesar de ter tentado. As ciclofaixas são desconectadas, muitas construídas de maneira questionável. O mesmo vale para as calçadas. As novas, minoria, são exemplares. O restante é um desafio ao equilíbrio.Ainda que existam problemas – e não são poucos – é na rua que vivemos a cidade de verdade. Empilhados em apartamentos e trancados em carros deixamos a cidade vazia, insegura, cinza. Enfraquece o comércio local, desvaloriza imóveis. Outro dia, fiquei maravilhada: crianças brincavam na rua em que moro, que é sem saída. Algo tão simples virou incomum. Ocupar os espaços públicos é tomar conta coletivamente do que é nosso. O carro não será mais minha opção exclusiva para sair de casa. Vem para a rua. Ela precisa de gente, da gente.

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