Não há nada de novo neste assunto, convenhamos, paciente leitor. Caso queira desistir, há tempo, aviso logo. Poderia falar da sutileza das capivaras pastando às margens do Itajaí-Açu, da falta de bancos numa cidade que não tem tempo para contemplação, dos postes enraizados no meio das calçadas. A verdade é que ainda (me) surpreende como Blumenau é capaz de ser várias numa só. Apenas algumas dessas cidades são vistas ou colocadas na vitrine das conveniências. Não é novidade, avisei. Parece que a cada dia as cisões vincam ainda mais. A paisagem colabora com parte de nossas desigualdades. Os morros próximos tratam de esconder o que não é oportuno (para quem?) mostrar.
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Há algum tempo abri mão das vivências da reportagem, como já foi possível saber por aqui. Mais que o dia a dia na redação – jornalista adora estar entre semelhantes – é das oportunidades de ir até essas diversas cidades que sinto falta. Quando posso, volto às raízes de observar o lugar onde nasci com olhos estrangeiros. É o jeito de notar nossas nuances indigestas. Perceber o que gostaríamos que não existisse. Assim tratam de maquiar a loira.
É nessas cidades dentro da cidade que a vida acontece. Uma vida que não tem muito tempo para além do fundamental, talvez por isso o poder público venha conseguindo manter um transporte coletivo tão ruim por tanto tempo. Para essas cidades, tanto faz se a Rua XV fica aberta ou fechada aos domingos. Elas só chegam ao Centro quando precisam pagar alguma conta, ou nem isso. A vida no bairro é autossuficiente dentro da insuficiência de quem deveria garantir o básico. Para essas pessoas tanto faz agora multarem por câmera, se a velocidade na Beira-Rio mudou para mais ou menos, se a obra da Margem Esquerda ficou ou não pronta. Se a nova ponte no Centro sai ou não.
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Nessas outras cidades importa é se o médico olha no olho durante a consulta no posto de saúde e se dá valor à dor do paciente para além da virose. Se a vez na fila para a cirurgia vai chegar antes do próprio fim. Se vai poder fazer o exame de sangue em menos de três meses ou se a vaga na fisioterapia chega antes de o joelho ficar ajeitado sozinho. Para os moradores dessa Blumenau é indiferente se as árvores do Ramiro Ruediger ainda não fazem sombra. Mas importa que o parquinho das crianças num condomínio criado pela própria prefeitura esteja inutilizável por falta de manutenção e o campinho de futebol, única opção para os pequenos, seja de terra batida com traves caindo. Nessa Blumenau a única operação que chega é da polícia.
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Não me acuse da repetição. Avisei que o assunto não é novo. Vem desde sempre, mas com alguns marcos, é verdade. O Itajaí-Açu foi testemunha da favela formada nos idos de 1940 pelos trabalhadores da estrada de ferro, que se ajeitaram onde puderam: ao lado da Ponte de Ferro, maculando a imagem tratada a água oxigenada. Essa população foi colocada atrás de um morro, onde hoje o IBGE classifica como aglomerado subnormal. Blumenau é várias em uma desde sempre e, ao que parece, não vai deixar de ser.