Ele caminha garboso. É do tipo alto e magro, longilíneo. Bochechas magras. Apesar de ajeitados com minúcia, não há cabelos suficientes para cobrir toda a cabeça. Dá passos lentos em direção à mesa que por hora tem a sorte de ter o pedido entregue. Anda com tal desenvoltura que o imagino em treinamentos rígidos caminhando com livros sobre a cabeça. Espinha e uniforme alinhados. Mantém-se ereto tal o pilar que permanece mimetizado enquanto um novo pedido não sai. Já supus que tem capacidade de flanar.

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Como poderia tamanha destreza: carregar numa só mão xícaras de cafés fumegantes que namoram o precipício das bordas? Comigo estariam condenados à morte pública em plena bandeja.

Aquela habilidade me distrai. Às vezes tenho dúvida se vou à confeitaria em busca de meu doce predileto – um tango de chocolate e morango – ou se é o garçom que, sem saber ou querer, me convida a mais uma garfada. Já tentei enganá-lo, confesso. Foi um teste.

O pedido é feito no caixa, geralmente com alguma moça ou senhora de tez branca e bochechas salientes. Nem sempre dotadas de efusiva simpatia, mas que se registre o importante, a eficiência. Pedido feito, a pequena nota amarela vai para o balcão. O pedaço de papel materializa toda sorte do que há de bom para comer e beber naquele lugar de gente elegante.

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É neste instante que se faz a mágica. O garçom recolhe a voluptuosa bandeja e parte decidido à mesa. É apenas um rabisco no pedido que indica o feliz proprietário das iguarias. Apesar de esticar os olhos, nunca consegui pescar qual é a pista deixada pela moça aos entregadores. Diante da busca discreta da atendente, suponho que a cor da roupa seja a dica. Já tirei o casaco e mudei de lugar. Tática inútil. Mesmo que dois clientes tenham características semelhantes, nunca o vi falsear a entrega, que é sempre acompanhada de um sorriso largo e elegante.

Talvez seja esta a chave para o segredo para nunca errar a mesa. Diante da convicção daquele homem de muitos dentes e esguio, não duvido que o cliente seja capaz de acreditar que foi ele próprio que fez a confusão. Achou que pediu uma coisa, mas na verdade, fora outra.

Já imaginei que se trate de uma reencarnação de algum mordomo da aristocracia inglesa. Leva jeito para lacaio numa época em que se colocava roupa brilhante e fraque para o jantar. Outro dia o vi na rua, sem a máscara. A falta daquele sorriso estático e a roupa levemente desalinhada dificultaram o reconhecimento. Mas sabia que estava no bolso, pronto para ser sacado, o garçom que nunca erra a mesa.