
É o que tratou de fazer, institucionalmente, o juiz que soltou o homem que ejaculou em uma mulher no transporte coletivo em São Paulo, há alguns dias. Ao dizer “que não houve constrangimento tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco de ônibus, quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado”, o juiz pode estar seguindo a legislação – que falha ao não enquadrar esse tipo de crime, assunto abordado por juristas–, mas não deixa de mostrar o quanto ainda precisamos debater (e combater) o machismo. Neste caso, além de desamparo à vítima, a medida ignora a longa ficha do criminoso que reiteradamente cometia os mesmos atos em ônibus. Tanto que foi preso pelo mesmo motivo logo depois. Notadamente um caso de alguém que precisa além da punição, tratamento. Adendo: não acredito que seja regra a situação doente do criminoso. Isso é coisa de gente que vê o corpo de uma mulher como coisa pública. Ideia incutida desde a infância.
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Há muito tempo não tenho o hábito de ler os comentários nas notícias publicadas no Facebook, admito. Eventualmente, para ter uma ideia de como andam as arenas que se tornam as caixas de comentários, abro exceção. No caso do crime que citei acima, muitas mulheres relatavam casos parecidos. Estamos expostas diariamente a isso. Lembrei da primeira vez que aconteceu comigo, tinha 11 anos. Repetiu-se inúmeras vezes. Por outro lado, muitos homens (não todos, há esperança) diminuíam o caso, achavam graça, culpando a vítima. É preciso muita coragem para fazer tal argumentação tacanha num espaço público.
Ser mulher nesta sociedade machista cotidiana é estar sempre atenta, antecipada a algum risco. Gostaria de pensar que eles são iminentes apenas na rua. No ambiente público temos de calcular muito bem a roupa que vamos usar, por onde vamos passar (tem terreno baldio, ponte, sem casas no trecho?), que horas (é noite? cuidado!), se vamos olhar quando alguém chamar (pode ser uma pessoa conhecida ou um desconhecido fazendo gesto obsceno) e mais uma série de reflexões em que a possiblidade de ser assaltada acaba se tornando uma questão pequena.
A rua, para muitas mulheres e meninas, é, infelizmente, mais segura que a própria casa. As estatísticas são claras em mostrar que os casos de estupro são recorrentes no ambiente doméstico e são praticados por parentes e conhecidos. Na prática, nenhum lugar é seguro, como mostrou a bela reportagem do Caderno Nós, do jornal Diário Catarinense, feita pela jornalista Ângela Bastos em que mostra quão habituais são os casos de violência doméstica contra a mulher nas áreas rurais no Estado (disponível em https://goo.gl/SLR7JV). Até quando?
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