Pouco útil seria adiar ainda mais aquele momento. Há decisões que temos de tomar no impulso, sem delongas ou questionamentos sobre as consequências. Eu tinha de me livrar do peso que carregava há um mês. Viver não é tão caro assim. Sustentar desperdícios é. Era hora da batalha. Telefone sem fio carregado, CPF memorizado, número de cliente em mãos. Estava determinada que o combo assassino, o monstro de três cabeças telefone-internet-tv-a-cabo, não sobreviveria diante da minha determinação em desmembrá-lo. Primeira ligação.
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Sou figura ingênua. Até consigo enganar alguns por aí do contrário, mas a verdade é que eu sempre caio no “oi” gravado. Hã, oi? E a gravação prossegue: “Esse número não existe”. O moço que me atendeu era da mesma turma da moça do “oi”. Ele dissimula naturalidade com uma conversa de quem quer te conquistar na mesa do bar. “Ah, entendi, então como posso te ajudar? Aperte 1 para…”. De repente tudo se torna tão artificial quanto papo de elevador.
Depois que minhas respostas foram datilografadas, interceptadas pelo moço-robô como na época do Código Morse (minha vontade era escrever S.O.S.), uma voz de verdade surgiu. Meu foco era manter a determinação inicial. Há dois anos fraquejei na defenestração do meu combo-monstro. Desliguei o telefone com um pacote HD e um ponto extra.
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Meu pedido não convenceu de imediato o rapazote. “Senhora, vou estar transferindo para o setor responsável”. Eu poderia ter dito qualquer coisa para segurar a ligação, mas o deixei ir, como fazem pessoas maduras com seus ex em fim de relacionamento. Alguns minutos de música irritante, paciência, bateria do telefone dando sinais de fraqueza. Ensaiei passear pela casa, resolvi fazer algo útil. Não demorou: tu-tutu. Dezenove minutos no lixo. Nova tentativa.
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Quando o primeiro atendente disse que “estaria me transferindo”, quase implorei para que desse cabo ali de meu sofrimento. Não foi suficiente. De novo a musiquinha. A bateria do telefone querendo me deixar nua na batalha. Até que outro atendeu. Resolvi apelar para a única arma que me restou: ou fazem o que quero ou não pago a conta. Veja, sempre paguei em dia, estou desempregada, blá, blá e mais blá. Ameaçou transferir a ligação. Senti o coração palpitar. Quase gritei. Pensei em desfiar conversa qualquer para fazê-lo esquecer daquela ideia estapafúrdia de transferir a ligação. Viu a última do Cunha? Demorou, né? E a tal PEC 241? Quem diria que aquele axé dos anos noventa que a gente dança em fim de formatura estaria tão certo… “O de cima sobe e o de baixo desce… Bom xibom, xibom bombom”. Meu apelo foi em vão.
Quando minhas forças já eram poucas, a nova ligação chegava aos 25 minutos, e por um momento imaginei um agente do Procon vestido de preto, Código de Defesa do Consumidor em punho, derrubando a porta da enorme sala de telemarketing gritando “a casa caiu, agora é o cliente quem manda aqui”, uma voz paciente surge e me faz repetir a história. Quase choro interpretando meus supostos dramas e, de repente, a batalha termina. O monstro foi desmembrado. Agora, em recuperação, preparo as armas para a guerra contra a conta do celular. Ao ataque!