Segunda-feira de Carnaval. Talvez hoje seja o dia, entre todos os outros 364 – incluindo 2 de setembro-, que melhor define Blumenau. Uma cidade entre ontem e amanhã, que não está nem lá nem cá, gaba-se do passado, mas pouco lembra do futuro, que ainda não decidiu se samba ou dança zicke zacke ou faz os dois sem peso na consciência.
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Há muito tempo a discussão é posta à mesa: hoje é ou não feriado no calendário blumenauense? A questão está além de definir se o comércio deve abrir ou não. Ainda que seja curioso sair à rua. Alguns tratam de antecipar o feriado -tecnicamente é amanhã-, enquanto outros ignoram o calendário. Há uma terceira categoria, que volta à labuta na quarta-feira depois do almoço com resquícios de purpurina no rosto e leve dor de cabeça.
Nessa época damos jeito de manter viva nossas próprias alegorias. Descendentes de imigrantes alemães, empreendedores, povo trabalhador e ordeiro, de diversão comedida, poupadores, com carro novo na garagem para ser lavado aos fins de semana, jardim impecável na frente de casa. As fábricas não podem parar para os confetes.
Ainda que no passado, como contam os historiadores, tivemos carnavais de rua e bailes memoráveis, nosso ethos do ideal blumenauense que tratamos de manter à base de falso enxaimel é incompatível com a folia de momo. Ainda que o nosso Carnaval não admitido como tal seja em outubro, com fantasias e alegorias repetitivas há três décadas, há quem trate de construir a própria festa antes da Quaresma. Diante do ethos blumenauense, a Mocidade Unidos do Bairro Salto do Norte grita – de alegria- contra o status imposto numa cidade que quase não ecoa marchinha por esses dias. Fundada em 2006, a escola de samba distribui fantasias e samba na rua longe do Centro da cidade. Ao mesmo tempo, a Praça Victor Konder, lugar tradicional de protestos e greves, é ocupada por quem só quer se divertir dispensado de amarras. Na frente do símbolo máximo do poder local, muitos encarnam o que gostariam de ser no Bloco Corpo Livre. Os dois foram à rua ontem à tarde.
Enquanto Blumenau não decide se tem direito a ter ou não Carnaval, se abre mão do orgulho germânico para se render também à folia, anônimos fazem as coisas – a festa, nesse caso- acontecer. E parece ser assim em muitas áreas. Enquanto a cidade vai amargando a queda no ranking de Produto Interno Bruto no Estado, pessoas vão empreendendo com inovação. Se o poder público não decide se a cidade é para pessoas ou carros e especulação imobiliária, há quem trabalhe pela primeira opção. Nos gabamos dos belos jardins na região central, mas escondemos nosso primeiro lugar no saldo de moradores de aglomerados subnormais – leia-se favelas – em Santa Catarina. Blumenau é a cidade dos paradoxos. Temos potencial para superá-los. Quem sabe podemos começar resolvendo se hoje é ou não é feriado de Carnaval.
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