O choque do livro na carteira me tirou do vazio da abstração. Não lembro no que pensava quando a professora de voz rouca e fala firme fez a fatídica pergunta. Naquela altura eu já deveria saber o resultado de seis vezes zero. Ainda sob efeito do sobressalto, apontei seis como resposta. A pequena turma da segunda série da escola municipal que presta homenagem à heroína dos dois mundos, Anita Garibaldi, riu em uníssono. A postura, aparentemente desproporcional, não foi isolada. Aos poucos, a mulher austera, mas de coração grande, mostrou que eu não poderia ficar presa às letras – para mim muito mais sedutoras desde sempre – e que os números são tão importantes quanto. Aquele ano terminou com toda a tabuada saltando à ponta da minha língua.

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Segui o caminho escolar mais próxima das exatas, ainda que muito longe de ser prodígio. Carrego certo rancor apenas da Fórmula de Bhaskara, confesso. Preenchi cadernos de três anos com a dita que até hoje não precisei sacar para me salvar algum imbróglio. Certo que nem sempre sabemos, mas aproveitamos os frutos de quem a usou para dar forma ao até então intangível. Conservo embebida em gratidão a memória de professores que, como aquela senhora, causaram-me desabroches. Mais que exigir datas, notas e decorebas, iam além, fomentando pequenas transformações ao descortinar possibilidades e caminhos. Neste ano conheci mais um punhado destes.

Tão errada quanto a minha resposta daquela multiplicação parece estar a relação entre gastos e investimentos no ensino público. A prefeitura reforça que não é o único setor afetado pela desproporção de responsabilidades e repasses de verbas, como se viu na última semana aqui no Santa quando o prefeito anunciou ajustes emergenciais. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) deveria fazer tudo o que nome dele próprio diz, mas não é suficiente nem para o essencial. Segundo a prefeitura, a verba em agosto foi de R$ 9,5 milhões, quando só a folha de pagamento do setor foi R$ 13,5 milhões. Notícia amarga que chegou, ironicamente, no Dia dos Professores. O problema é que a situação se repete há anos.

Quando a gente cresce, as tarefas da escola ficam igualmente maiores. Foi numa destas que investiguei em fontes oficiais a relação entre gastos e investimentos provenientes do Fundeb de 2007 a 2014. No período, o repasse foi de apenas 51% do total necessário. A prefeitura teve de arcar com o restante: R$ 581 milhões. São recursos que precisaram ser desviados de outros destinos igualmente importantes. Para conclusões cristalinas ainda é preciso entender também a gestão desses recursos. Se a educação de qualidade tem relação direta com investimentos, estamos errando nestas contas há algum tempo. Temo pelo resultado.

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