Como gostamos de admirar os japoneses. Dizem que lá as esquinas estão sempre limpas, fazem fila exemplar no metrô, pedestres esperam a vez para atravessar. A grama do (distante) vizinho é sempre mais verde. Para a esquina estar limpa, ninguém joga lixo no chão. Para evitar confusão na plataforma do metrô é preciso aceitar a condição de ficar atrás de alguém e que essa pessoa vai embarcar antes. Mas gostamos de admirar os japoneses e dizer que o pior do Brasil é o brasileiro. Ótima saída para quem quer fugir da própria responsabilidade.
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Enquanto batemos panela para a corrupção que nos atinge coletivamente, fingimos que as nossas pequenas parcelas de imoralidades não afetam ninguém. Talvez esteja no trânsito o exemplo mais básico do quanto ações individuais impactam diretamente no outro. A soma de pequenos delitos – incluindo os morais- ajuda a formar o rotineiro nó nas ruas da cidade. Considere ficar parado na calçada por cinco minutos ao lado do Terminal da Proeb em horários de pico para ver a prática desta teoria. Nesse caso, há o agravante de uma equação que pouca gente está disposta a resolver: escassez de rua para muito carro (ao mesmo tempo). E se no meio disso alguns motoristas resolvem criar as próprias regras de trânsito (em que eles são os beneficiados sempre), está feita a confusão.
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O mais curioso é que achamos terrível quando o órgão governamental destinado a organizar e dar jeito nesse nó itinerante de irresponsabilidades trata de pôr ordem nas coisas. Ou seja, exigir que a legislação seja seguida. Existe uma tática relativamente simples para burlar as investidas do Seterb, que agora também fiscaliza via câmeras. A estratégia é ao melhor estilo japonês. Basta seguir as leis e ter respeito com quem está no carro ao lado, na calçada, na faixa de pedestres, no ônibus. Não é tão simples, exige paciência, mas é fácil de aplicar.
A verdade é que a maioria (realmente espero estar certa) respeita as tão fundamentais leis de trânsito. Mas a minoria que vai pela contramão consegue fazer uma bagunça danada e ainda acha ruim ser coagida a seguir o que deveria ser norma geral. As cinco infrações mais recorrentes dão noção de quão rudimentar é o comportamento no trânsito: parar sobre a faixa de pedestres, bloquear cruzamento (!!!), trafegar pela faixa exclusiva de ônibus, usar o celular e não usar o cinto de segurança. O excesso de velocidade não deve estar tão desfavorável nesse ranking. O Seterb ainda avisa semanalmente quais ruas “podem” ser fiscalizadas com o radar móvel. Estamos condicionados – institucionalmente, inclusive- a seguir as leis só quando alguém está de olho.
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A briga está invertida. Deveríamos exigir melhor sinalização, condições adequadas de segurança aos pedestres e ciclistas, manutenção das vias, transporte coletivo de qualidade. Reclamar de mais fiscalização é contrassenso. Pelo bem comum, o certo não pode ter meio-termo. Precisamos assumir a nossa parcela de responsabilidade na construção do país melhor que todos queremos viver.