Cronistas não deveriam admitir, mas nossas semanas são angustiantes. Giram em torno de como fazer você ir além e seguir até a última frase. Os dias passam com escritas mentais sobre o que poderia interessar a quem está lendo agora, no caso, você. Ainda que os melhores textos aconteçam quando não se pensa no que vai pensar o leitor. Assim a vida se torna tentativas incessantes de crônicas.
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O único dia de folga é o dia que o texto aparece aqui. Alguns assuntos nos rondam, num looping cansativo, pedindo a vez de sentar-se à página. Fiquei semanas pensando aleatoriamente em como contar minha experiência quase antropológica no estádio, sem deixar de citar minha empatia por quem nutre paixão que não sou capaz de sentir.
Semana passada, finalmente, coloquei na página. Triste foi amanhecer o dia seguinte e perceber que toda a paixão se transformou num arroubo contrário, de dor e luto de torcedores e não torcedores.
A vida é um sopro. A frase que dá título ao documentário sobre o longevo Oscar Niemeyer pipocou nas redes nos dias seguidos à tragédia da Chapecoense, que é também um pouco de todos nós. Diante da dureza da realidade de tantas vidas perdidas, muitas delas curtas e promissoras na mesma proporção, é imposto pensar. Esquecemos que a vida é um sopro.
Talvez seja necessário fingir que temos certeza da vida duradoura para acordar todos os dias e seguir a rotina que o cotidiano ordinário determina. Precisamos trabalhar, ir à escola, garantir o futuro das crianças, comer, pagar as contas e ir ao cinema caso sobre tempo. Acompanhando as notícias do que pode ter levado à queda do avião, há indícios de que o próprio piloto tenha esquecido de quão frágil é a vida. Teria subestimado o acaso, acreditado demais em si, confiado no inconfiável clima. Esqueceu que a vida é um sopro.
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Deixemos os julgamentos para as autoridades. Quem flanou pelas redes sociais nos últimos dias pode até ter sensação diferente, mas uma ínfima minoria tem algum conhecimento para indicar o que, de fato, aconteceu. Cabe a nós, mortais sem conhecimentos aeronáuticos, tentar pensar quando subestimamos o acaso, acreditamos demais em nós, confiamos no inconfiável. Esquecemos que a vida é um sopro. Não é difícil elencar.
Aquela ultrapassagem na BR-470 em faixa contínua? O carro na direção contrária está longe, calma, vai dar. A faixa de pedestres está logo ali, por que não encurtar cruzando entre os carros? Uma cerveja antes de dirigir. Limite de velocidade que se respeita só quando o guarda está por perto. Sexo casual sem proteção, remédio sem prescrição médica, açúcar demais, gordura demais, estresse demais, trabalho demais, sobrepeso demais, exercício de menos, lazer de menos, família de menos, abraços de menos, calar quando o desejo é falar.
Quem disse que a vida é um sopro tem razão.
Força, Chape.