
Ainda que eu seja bastante brasileira, uma mistura de muita coisa e com um sobrenome que, dizem, é alemão, promessas não cumpridas me incomodam. Mais ainda quando as faço, nem tanto para as que fazem a mim. Se bem que nunca esqueci da casinha de bonecas – daquelas que muitas meninas ostentam durante a infância no jardim de casa – que meu pai prometeu e nunca cumpriu. Pai, desculpe revelar publicamente esta dívida que entra na terceira década, espero que isso não afete a nossa relação, mas fui incapaz de varrer a frase dita por ti com alguma inocência… Nutro certa fama doméstica pela boa memória. Nunca esqueço do que prometi. Por comodidade, falta de vergonha na cara ou qualquer outra coisa que o valha, posso até fingir que a frase dita se apagou de meus arquivos. A verdade é que ela está sempre lá. Assim sendo, cumpro as promessas de cafés com os amigos, visitas e de vez em quando carrego bolos fofinhos por aí.
Continua depois da publicidade
Há um tipo específico de promessa que me intriga faz tempo. Antes fossem sobre cafés, quitutes ou declarações inocentes a crianças. Contratos de obras públicas deveriam ter nota de rodapé em todas as páginas, alertando para os riscos de se fazer promessas de entrega. Obras concluídas no prazo da promessa declarada a pleno pulmões por políticos orgulhosos – e gulosos por votos no pleito subsequente – são capivaras albinas. De tão raras, é difícil encontrar alguém que acredite na existência delas. A BR-470 não fugiria à regra. Algum inocente acreditou que sim?
Jeniffer, a menina de bochechas redondas e coradas que nasceu no mesmo dia que a promessa da duplicação da BR-470, há seis anos, verá seus filhos crescerem quando finalmente a rodovia que corta o Vale terá quatro pistas. Se é que um dia vai ter mais de duas pistas em sua extensão completa. Houve quem desacreditasse até de que a BR-101 fosse duplicada. Um causo de décadas que se desenrolou há pouquíssimo tempo.
Durante o período em que fui repórter do Santa, uma das tarefas mais árduas era pegar o telefone para apurar prazo de alguma obra pública. Abatia-se sobre uma então pobre foca (jargão para os inexperientes na redação) a dialética: ao mesmo tempo que me cabia perguntar ou cobrar alguma promessa pelo bem comum, sabia que do outro lado da linha alguém faria uma promessa que com pouca margem de erro não seria cumprida. Os motivos desse desacordo estão, muitas vezes, para além do próprio agente público. Na tentativa (ineficaz, já notamos) de evitar corrupção, criou-se um sistema intrincado, mas que ainda assim tem falhas graves, como permitir que empresas orcem valores irreais para ganhar licitações e depois não consigam executar a obra com o saldo obtido. Promessa é coisa séria, afinal. Fazer é fácil, ouvir e cumprir nem tanto.
Continua depois da publicidade