Em meio ao turbilhão de acontecimentos na cena política na última semana, vale pinçar um deles. Não me refiro aos lamentáveis discursos durante a votação na Câmara que validou o andamento do processo de impeachment da presidente. A indignação não caberia nestes parágrafos. Falo de reiterada postura retrógrada de parte da grande mídia nacional. Ao mesmo tempo em que avançamos, deparamos com reportagens que parecem tiradas dos almanaques de 1950. Da mais recente há várias leituras possíveis, que, já aviso, não darei conta aqui.

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Publicada em revista de circulação nacional, a reportagem em questão – intitulada Bela, recatada e “do lar” – criou um perfil para Marcela Temer, esposa do vice-presidente Michel Temer. O texto pinta a imagem de mulher ideal – no conceito retrógrado da revista – para Marcela. Conveniente, cola essa representação ao vice-presidente, um político pouco conhecido do grande público, e na matéria caricaturado como um grande homem de negócios. Assim, parece pavimentar um caminho de aceite dele entre os leitores da revista caso Temer chegue efetivamente à presidência. Há alguns anos seria só mais uma publicação do tipo entre tantas, mas esse tempo passou e a imposição de padrões às mulheres – como faz a reportagem nas entrelinhas – perde cada vez mais terreno.

Velozes, os movimentos conectados em rede deram início aos protestos online ainda no início da semana. Vale perceber que não se trata de crítica a quem tenha optado pela vida no lar – que se sabe muito bem não é nada simples ou fácil – ou recatada. É um movimento pelo fim da imposição de um padrão tido como ideal e pelo direito individual de ser feliz, cada uma do seu jeito.

Percebeu-se também a difusão da sororidade, que é a mulher compreender a outra e estar junto dela rebatendo a cultura que ainda incentiva a competição entre elas. Neste caso, também estar ao lado de Marcela, reduzida de forma quase jocosa. Ainda que muitas não tenham entendido desta forma, usando fotos dela para criar memes. E há de se questionar a sororidade seletiva. Não se viu mobilização tão impactante, por exemplo, quando a presidente Dilma foi caricaturada como desequilibrada numa reportagem de jornalismo questionável em outra revista nacional há alguns dias. Ou mesmo com Janaína Paschoal, jurista que, num inflamado discurso a favor do impeachment, foi taxada de louca por sua postura.

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Na última semana ficou claro que as mulheres não ficarão mais caladas. Ainda que este movimento feminino tenha vertentes múltiplas e até mesmo conflitantes – como em toda mobilização coletiva -, ele é crescente. Conectadas e online, as vozes femininas reverberam com cada vez mais força, conquistando espaço dentro e fora da rede.