Quando a carteira de identidade indica que estamos margeando alguma idade simbólica, parece que a (clichê) crise existencial chega junto com os novos dígitos. Pude comprovar o senso comum. Ainda que não acredite ser suscetível a ficar muito tempo entre dilemas, um deles tratou de açoitar meus pensamentos por algum tempo. O quão monótono seria preencher para o resto da vida a mesma cidade onde consta a natal e a atual? A angústia me fez pensar que a geração Y tem ao menos uma vantagem em relação às anteriores neste período do início da terceira década de vida.

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O nível de conexão atual permite que eu viva aqui e em vários lugares ao mesmo tempo, experimentando diferentes referências. Tudo isso sem que eu tenha de estar em outro lugar para captar o que julgar conveniente. A experiência virtual não substitui a vivência real, evidente, apesar de muita gente estar fazendo essa troca sem se dar conta do saldo negativo debitado. Mas nesta questão imposta pela tal crise, fiz a lista mental de prós e contras de morar em Blumenau. Do que realmente sentiria falta?

Não seria da Oktoberfest. Que me desculpem os apaixonados, mas, como já comentei por aqui, acredito que a minha cota de zigge-zagges chegou no limite, ao menos por enquanto. Sentiria falta do rio, do reflexo da Ponte de Ferro, do sorvete do Schmitt, da torta Glória, da cuca – com massa grossa, muita banana e farofa crocante -, do pão com bolinho e mostarda escura, de imaginar sobre o que as pessoas estão conversando em alemão no ponto de ônibus, da paisagem verde da Itoupava Central, de ver o Morro do Cachorro da janela do quarto, das capivaras, dos quero-queros. Mas o que mais faria falta seria das feiras.

Cada cidade tem a sua, com características particulares. Não é possível comparar as feiras entre as cidades. Aqui não temos barracas montadas na rua como em São Paulo, por exemplo. Nem os pastéis fritos na hora e suco de caju fresco. A exceção é a feirinha da Ponta Aguda, que se acomoda sobre os paralelepípedos. Temos os cheiros, cores e sabores muito próprios.

As linguiças são as decorações oficiais das bancas de produtos coloniais – normalmente lotadas. Há as mais defumadas, com mais ou sem alho. As mais apimentadas ou menos. O Kochkaese disputa espaço com a nata e o queijinho. Pão sovado de aipim, cará ou milho ao lado das bolachinhas caseiras. Ovos de galinha caipira, conservas de pepino em folha de uva e toda sorte de queijo de verdade. Não podem faltar as roscas frescas e as chimias. De banana, flauma, figo e toda sorte do que se pode encontrar nos quintais das Omas.

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– Nas feiras agroecológicas – da Proeb aos sábados, especialmente – pode-se conversar com quem cuidou das abóboras do plantio à colheita. É uma oportunidade de reconectar com o que estamos perdendo nos distanciando da comida de verdade e da terra. Entender que as cenouras não brotam na prateleira condicionada do supermercado enormes e corpulentas num domingo à tarde de qualquer mês do ano é aprender da necessidade de respeitar e esperar as fases de cada planta. Compreender que tudo tem seu próprio ciclo. E que o tempo às vezes pode ser o melhor composto orgânico. Ir à feira pode ter sido a melhor solução para o meu dilema balzaquiano.