
Não é pequeno o saldo de mudanças que aconteceram e os que dobram a esquina. Só o celular foi capaz de, ao mesmo tempo, criar uma indústria multimilionária e afundar outras tantas. Desde fábricas de despertadores, bússolas, mapas, agendas até colocar em xeque gigantes como a Nikon, que anunciou na última semana o fechamento de uma de suas unidades na China. A queda nas vendas das câmeras compactas foi atribuída à ascensão dos smartphones, essas oficinas de selfies. O xeque caminha para o mate também para mercados tradicionais de publicidade e tudo o que é impresso – se você me lê com o jornal aberto, aproveite, logo mais todos os que resistirem à crise serão visíveis apenas em alguma tela. Até o próprio celular está com a morte decretada. A internet das coisas já passeia entre nós.
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Se para grandes e tradicionais mercados é difícil antever-se ao futuro para fugir da bancarrota, imagine para uma prefeitura de cidade média. O desafio é imediato – quase um antônimo da administração pública no Brasil hoje. Há poucos dias o Santa mostrou que as coisas não andam bem (com o perdão do trocadilho) no transporte coletivo de Blumenau. Entre julho e setembro deste ano, as catracas deixaram de rodar 293,4 mil vezes. Saldo: redução dos horários. Ao todo, 83. Se a constatação atual do sistema é ruim, imagine o futuro próximo.
Se o nosso jeito de interagir com o mundo mudou, nossa forma de locomoção também. Os últimos e traumáticos anos para quem depende exclusivamente de ônibus deixaram ensinamentos para os usuários. Aparentemente o transporte de passageiros por vans cresceu – oferecem mais conforto e confiança –, os aplicativos de carona – e o jeito tradicional – ganharam mais popularidade e o Uber, que demorou, mas, finalmente, chegou. Esse último, ao que parece, não concorre com os taxistas, mas sim com os ônibus. Além disso, é notável o crescimento do número de ciclistas, que têm o incentivo da própria prefeitura para colocar as magrelas na rua.
Os números são claros: ônibus novos (em moldes parecidos com os antigos) com wi-fi e tomadas não são suficientes para atrair os usuários que descobriram outras formas de deslocamento. Num primeiro momento acreditou-se que a crise do transporte coletivo seria resolvida com a substituição da permissionária. Como (eventual) usuária de ônibus, motorista, pedestre, ciclista e uma observadora curiosa da cidade em que vive – nada além disso, que fique claro –, pergunto: o caminho é mesmo investir milhões numa ponte enquanto parece urgente repensar – e agir – em relação ao modo como toda a população se desloca sob a pena de daqui a pouco morarmos numa cidade ainda mais cheia de carros, ainda mais trânsito e com ônibus vazios?
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Enquanto as coisas forem pensadas como sempre foram, vamos rodopiando em torno dos mesmos problemas. É como tratar a febre sem curar a causa dela – o que é uma questão cultural do Brasil, convenhamos. O futuro já bate à porta, como e quando vamos atender?
A jornalista Daniela Matthes escreve neste espaço às segundas-feiras.