Poderia ouvir a descrição de David Coimbra, caso se tratasse de uma mulher. Loura, coxas torneadas, bumbum redondo, queria chamar a atenção. Mas era um homem. Aproveitou a desculpa do ar abafado – algo tão típico de Blumenau que deveria ser considerado patrimônio imaterial – e tirou a camisa. Ombros largos, peito estufado, bíceps inchados. Cabelo e barba bem aparados. Apesar de estar caminhando, ficava na pista destinada aos corredores. Ramiro é lugar democrático, ainda que carregue seus paradoxos. É a nossa pequena praia central. Com a diferença que aqui todo mundo anda vestido. Talvez por isso um descamisado chame a atenção. Ao que parece, era isso que queria. Não olhava para frente, mas para os lados, procurando quais olhares tinham parado nele. Buscava aprovação, mesmo que lasciva. Padrão alcançado depois de meses de academia. Era muito esforço para ficar guardado debaixo da camisa.
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O Ramiro aceita todo tipo de gente, inclusive algum descamisado inadvertido. Os fins de tarde de janeiro são de parque cheio, gente saindo pelo ladrão. Há de tudo. Pela entrada principal, segue-se à direita sob o risco de ser atropelado por alguém tentando queimar as calorias adquiridas entre Natal e Ano-Novo. Na grama, logo na entrada, aos sábados e domingos por ali espremem-se pais e filhos soltando pipas, brincando de futebol ou vôlei. Aos domingos, algumas dezenas de toalhas disputam espaço para o piquenique. Na grama se aproveita cada canto. Do namoro à brincadeira. Na beira do lago sempre tem quem ensaie, mesmo que mentalmente, saltar e fazer companhia aos patos e peixes. Blumenauenses obedientes que são, observam a placa e contentam-se em apenas olhar.
A pista que abraça as quadras de tênis e basquete se torna, em janeiro, berçário de novos atletas. É toda sorte de gente tentando praticar promessa de ano novo ou querendo colocar o presente natalino à prova. Deveriam avisar aos novos praticantes de roller, esse patins modernoso, que não tem jeito de evitar a bunda no chão ao iniciar nessa arte. E que ter uma pessoa de cada lado para segurar é um pouco vergonhoso. As crianças e suas bicicletas ainda com rodinhas disputam espaço com meninos – e cada vez mais meninas – andando sobre skates sem arranhões. Ainda que alguns parem para ver que a diversão está mesmo é do outro lado, na apertada pista de skate.
A quadra de tênis tem sempre fila de espera. As de vôlei também. Quem está fora ensaia a organização de uma torcida. O futebol de areia tem menos adeptos, enquanto basquete é o esporte nacional, ao menos ali no Ramiro. Na pista de caminhada a vida segue em ritmos variados, com gente que só se conhece pelas costas. O senhor com cabelo prata que quase encosta no ombro e está sempre de bermudas jeans, as três mulheres que caminham sempre juntas e na mesma ordem, o rapaz que corre mais rápido e dá um jeito de ultrapassar por cima do canteiro e outro dia quase caiu.
Ramiro é lugar que recebe todos, desde que se consiga chegar até ele. Como gostamos de fazer aqui, mantemos a pintura da fachada em dia para enganar o visitante. A região central de Blumenau é a pintura que só uma parte dos blumenauenses está apta a usufruir. A democracia é de fachada, espero que não para sempre.
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